Torturados, os números confessam qualquer coisa. A frase bem-humorada, dita geralmente para interpretações pouco fiéis à realidade, não cabe ao confrontarmos estatisticamente a distância oceânica que separa o Brasil dos EUA, por exemplo, dois gigantes territoriais e que rivalizam em riquezas naturais. A comparação, contudo, a bem da coerência, termina por aí. A partir de outros indicadores, teríamos que apelar para uma leitura muito criativa, e torturar números não parece ser uma medida adequada para resolver problemas concretos.
Peguemos, a título de ilustração para os propósitos deste artigo, um dado curioso da economia americana. O PIB dos cerca de sessenta milhões de pessoas que se declararam latinos nos Estados Unidos em 2022, foi de 3,7 trilhões de dólares, o que representa o quinto maior PIB do mundo, maior que as economias da França, do Reino Unido e da Índia. Entre 2019 e 2022, o PIB dos latinos que vivem nos EUA cresceu mais rápido do que o das 10 maiores economias do mundo, incluindo a Índia e a China. Desde 2010, o PIB latino dos Estados Unidos tem sido o terceiro com maior crescimento geral entre as maiores economias do planeta. De acordo com o censo de 2020, os latinos, que hoje representam 18,5% da população dos Estados Unidos, ostentam um PIB per capita acima de U$ 60.000,00, ou mais de R$ 360.000,00, quase seis vezes o do trabalhador brasileiro.
Uma pergunta óbvia que emerge diante desses números é como um latino-americano, geralmente com baixa instrução, emigre para os EUA, para exercer primeiramente trabalhos braçais, consegue melhorar tão substancialmente seu padrão de vida e de consumo? A resposta, logicamente, não é tão simples como poderíamos supor, mas pesquisas e relatos daqueles que passam pela experiência de morar nos Estados Unidos, após uma experiência em países latinos, está fundamentalmente ligada ao ambiente econômico e legal que demarca com clareza as regras vigentes naquele país.
Um exemplo desse ambiente está na legislação trabalhista. Diferente da maioria dos países latino-americanos, a maior flexibilidade na contratação e demissão de trabalhadores, em vez de afastar quem eventualmente queira migrar, tem atraído uma enorme quantidade de imigrantes aos EUA, muitos deles ilegais, o que tem gerado muitas preocupações junto às autoridades daquele País. O contraste com a realidade brasileira não poderia ser maior. Além de estarmos perdendo mão de obra qualificada, cerca de 55% dos jovens brasileiros deixariam o País, caso pudessem, segundo apurou pesquisa feita pela agência Ana Couto. Esses jovens não conseguem enxergar um futuro promissor por aqui, alegando que as condições estruturais que o Brasil oferece são muito ruins.
Não será de uma hora para outra, contudo, que esse quadro irá mudar por aqui. Mexer nas raízes estruturais das desigualdades sociais e na criação de um ambiente econômico e social mais amigável aos anseios de uma população, ainda predominantemente jovem, é um desafio que se impõe. O primeiro passo para isso é admitir as dimensões simbólicas e culturais envolvidas no nosso crônico atraso para enfrentar melhor o modelo desigual que está, tragicamente, naturalizado nas atuais hierarquias sociais e econômicas. A visão de mobilidade social atrai os imigrantes para o EUA e essa mesma possibilidade também pode existir em nosso País. Devemos, sem hesitação, enfrentar a indústria de privilégios que acomete o Estado brasileiro, reformar de fato nossa estrutura de governança, com maior incentivo ao empreendedorismo, com reformas fiscais e tributárias imbuídas de sentido moral e afastadas do eterno clientelismo e rapinagem do Erário.
Em suma, nossos problemas são multidimensionais e requerem ações profundas em políticas sociais, tributárias e educacionais, além de uma mudança cultural e simbólica que enfrente os privilégios históricos. Será assim, e não de qualquer outro jeito, que poderemos injetar esperança nas camadas mais jovens de nossa população, para que vejam no Brasil seus projetos e sonhos de futuro.
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