Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Edson Bündchen | 1 de fevereiro de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Não é sem surpresa que assistimos aos americanos aflitos, pelo menos aqueles conscientes sobre a importância de uma democracia saudável, com a dificuldade do arcabouço institucional dos EUA em evitar que a democracia mais longeva do mundo naufrague. Os sinais são inquietantes, a ponto do apresentador de TV Bill Maher, no último dia 27.01.2024, sugerir que as crianças americanas deveriam estudar a Constituição Brasileira para compreender como evitar que populistas autoritários continuem fustigando as instituições. Com os devidos descontos à ironia da frase, parece pertinente considerar que o vacilo das leis americanas em frear os redivivos apelos de Donald Trump pela volta à Casa Branca, mesmo após os ataques ao Capitólio, em 06.01.2021, expõe gravemente a fragilidade dos atuais alicerces institucionais daquela nação.
Para um País como os EUA, legitimado em seu imperialismo soft após a Segunda Grande Guerra, como uma expressão continuada da superioridade produtiva e moral sobre o resto do mundo, particularmente sobre o sul global, não deixa de ser surpreendente que menções ao mérito de instituições de países periféricos como o nosso, sejam sequer cogitadas como modelo a orientá-los. O gesto de Maher, na verdade esconde, por trás da graça fugaz, uma dolorosa autocrítica que vários setores da sociedade americana vêm fazendo para entender melhor quais erros permitiram tamanha exposição ao risco institucional, hoje agravado com a sombra de Trump novamente no horizonte. Por certo e, em tese, a democracia brasileira, historicamente sujeita a periódicas quarteladas, deveria instar uma cautela ainda maior em relação a eventuais recaídas, como aquela havida em 08.01.2023, ao tempo em que a tornaria mais resistente, devido aos anticorpos que essa prolongada exposição aos golpes poderia suscitar. Não é o caso dos EUA. Sem o mesmo histórico turbulento e instável que sempre nos acometeu, a democracia americana parece hoje paralisada e perplexa diante do comportamento de sua extrema direita que abraçou com fervor um roteiro que mais sugere a reedição do ideal fascista do que um combate circunscrito aos limites e parâmetros legais.
Nesse sentido, o coro dos preocupados, inclui desde a maioria da grande mídia americana, como parte considerável do mainstream acadêmico, não sem antes sofrerem severos ataques da ala republicana mais radical. Na mesma linha, os autores Steven Levitsky e Daniel Ziblat, publicaram um novo trabalho, sob o sugestivo título “Como Salvar a Democracia”. Para os autores, os Estados Unidos estão se movendo em direção a uma democracia multirracial, algo que poucas sociedades já fizeram. Mas a perspectiva de mudança provocou uma reação autoritária que ameaça os próprios fundamentos do sistema político norte-americano. O País enfrenta agora um dilema: ou se torna uma democracia multirracial ou não será uma democracia plena. O problema, dizem os autores, é que a maioria das democracias modernas eliminou instituições obsoletas como câmaras superiores de elite, eleições indiretas e mandato vitalício para juízes; e os Estados Unidos ficaram perigosamente para trás. Pior, sua Constituição torna o país vulnerável a ataques internos, permitindo que minorias partidárias frustrem e até dominem as maiorias populares de forma consistente e tirânica.
No Brasil, o aprendizado democrático precisa igualmente ser reforçado. O conceito de República exige uma certa elaboração e discernimento para ser bem compreendido. Numa visão mais tosca, basta um soldado e um cabo para fechar uma Suprema Corte. Numa linha um pouco mais elaborada, a arapongagem descuidada, como aquela de que trata a última ação da Polícia Federal, igualmente sinaliza preocupação, com ambos os eventos denotando desamor à institucionalidade. Recuperar o sentido e o valor intrínseco da democracia, contudo, passa inapelavelmente pela coragem em admitir que é preciso antes defendê-la, mesmo ao custo de enfrentar os ecos intempestivos do autoritarismo entre nós.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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