Por muitos anos, as grandes empresas de tecnologia pareceram estar imunes às regulamentações e supervisões de governos nacionais. Mas isso está mudando – e bem rapidamente.
Nos Estados Unidos, o domínio de mercado do Google nas buscas on-line e na publicidade digital está ameaçado após o governo americano ter ido à Justiça e já obtido uma primeira vitória nas cortes. O Departamento de Justiça também está processando a Apple, sob a acusação de que a fabricante do iPhone violou leis antitruste ao impedir que concorrentes tivessem a acesso a recursos de hardware e software de seus dispositivos mais populares.
Na Europa, Apple e a empresa holding do Google, a Alphabet, foram multadas em bilhões de euros por adotarem práticas anticompetitivas. E os reguladores da União Europeia (UE) investigam agora se Apple, Google e Meta (dona de Facebook e WhatsApp) descumpriram as novas leis do bloco que tratam sobre a economia digital e que preveem pesadas multas para infratores.
Entenda o que está em jogo.
Abordagem dupla
A UE implementou recentemente duas leis: o Digital Markets Act (DMA) e o Digital Services Act (DSA).
O DMA entrou em vigor em 7 de março, impondo às grandes empresas de tecnologia uma lista abrangente de obrigações e proibições baseadas nos princípios das leis antitruste. O objetivo é impedir condutas abusivas por parte dos maiores players antes que elas se estabeleçam no mercado.
O DSA tornou-se legalmente aplicável em 25 de agosto, estabelecendo regras de conteúdo para plataformas de mídia social, mercados online e lojas de aplicativos. Obriga seus proprietários a reprimir a desinformação, o discurso de ódio, a propaganda terrorista e anúncios de produtos inseguros.
DMA
O DMA prevê que as plataformas grandes demais — pelo seu alcance entre os países da UE e o número de usuários — ficarão submetidas a um escrutínio e regulamentação mais rigorosos.
Sob o DMA, seis gigantes da tecnologia — Alphabet, Amazon, Apple, ByteDance Ltd., proprietária do TikTok, Meta e Microsoft Corp. — enfrentaram uma série de novas obrigações.
Plataformas que violarem as regras do DMA podem ser multadas em até 10% de suas vendas anuais globais. Esse valor pode aumentar para 20% em caso de reincidência, e a Comissão Europeia pode até exigir que uma empresa seja dividida em caso de violações sistêmicas. A Comissão pode abrir processos contra empresas por não conformidade, prescrever soluções específicas e impor multas.
DSA
Sob essa legislação, os governos nacionais têm mais poder para forçar as grandes empresas de tecnologia a remover conteúdo considerado ilegal. Também as obriga a submeter avaliações de risco à Comissão Europeia, detalhando como estão mitigando o impacto de conteúdo prejudicial. Se for constatado que não estão fazendo o suficiente, podem ser instruídas a alterar os algoritmos que decidem quais postagens os usuários veem.
Se transgredirem, podem ser multadas em até 6% de sua receita anual. Poderes adicionais para combater a desinformação podem ser acionados durante uma crise, como uma guerra ou pandemia. Anúncios direcionados a crianças — uma fonte significativa de receita para empresas como Facebook e Google — foram proibidos.
No último dia 5 de agosto, o juiz Amit Mehta, de uma vara no Distrito de Columbia, decidiu que o Google monopolizou ilegalmente os mercados de busca on-line e anúncios de texto, encerrando um caso originalmente aberto em 2020 pelo governo americano ainda sob a presidência de Donald Trump. O Google disse que irá apelar da decisão, mas o Departamento de Justiça dos EUA já está trabalhando nas punições que irá determinar à empresa.
É provável que o governo tente proibir os tipos de contratos exclusivos que estavam no centro do caso. Também pode pressionar por uma divisão da gigante do Vale do Silício, com o sistema operacional Android e o navegador web Chrome sendo alvos potenciais para serem vendidos pela empresa, segundo fontes próximas ao assunto.
Essa seria a primeira tentativa de Washington de desmantelar uma empresa por monopolização ilegal desde um esforço malsucedido para dividir a Microsoft duas décadas atrás. Na ocasião, a Microsoft também perdeu na Justiça um processo antitruste. A empresa não precisou se desmembrar, mas teve que abandonar práticas que limitavam a concorrência – o que, segundo analistas, acabou abrindo espaço para a ascensão de novas empresas, entre elas o Google.
O Google também está se defendendo nos tribunais em uma outra ação aberta pelo Departamento de Justiça, que afirma que a empresa manipula o mercado de publicidade on-line, que movimenta US$ 677 bilhões por ano, violando as leis antitruste. O governo americano e uma coalizão de oito governos estaduais acusaram o Google de criar um “trifecta de monopólios” para dominar a tecnologia por trás dos anúncios em sites e prejudicar editores e anunciantes.
Apple
Um processo, aberto em 21 de março em um tribunal federal de Nova Jersey, marcou a conclusão de uma investigação de cinco anos do Departamento de Justiça sobre o fabricante do iPhone.
O governo americano alega que a Apple impôs limitações de software e hardware nos iPhones e iPads que dificultam a competição de rivais e a troca de telefones pelos consumidores. A queixa destaca cinco exemplos de tecnologias nas quais a Apple suprime a concorrência: super apps, apps de streaming de jogos na nuvem, apps de mensagens, smartwatches e carteiras digitais.