Quarta-feira, 05 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 15 de julho de 2024
Investigações da Polícia Federal (PF) sobre o suposto esquema de desvio de joias e a estrutura paralela de monitoramento montada na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) mapearam o uso de máquinas do Estado em benefício do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados. De acordo com os inquéritos, além da própria Abin, Itamaraty, Receita Federal e o Palácio do Planalto foram mobilizados na tentativa de reaver ou vender as joias, para perseguir adversários do então governo e na tentativa de blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”.
No caso do monitoramento ilegal feito pela Abin, pelo menos dez servidores cedidos ao órgão usaram ferramentas pagas com dinheiro público para espionar e produzir dossiês contra ministros do Supremo Tribunal Federal, parlamentares, jornalistas e outras pessoas consideradas adversárias do governo, segundo a PF. Boa parte deles integrava o CIN (Centro de Inteligência Nacional), criado na Abin por um decreto assinado por Bolsonaro em 2020. Entre os sistemas utilizados estava o FirstMile, que rastreia a localização dos alvos e cujo uso irregular foi revelado pelo jornal O Globo.
Com a missão de pesquisar “podres” e “futucar até a unha” dos alvos, um dos objetivos do grupo era municiar influenciadores digitais do chamado “gabinete do ódio” para disseminar “desinformação” nas redes sociais, segundo a PF. A partir daí entra no enredo um ex-assessor da Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto, Mateus Sposito, que, conforme a PF, seria o elo entre a “Abin paralela” e as milícias digitais.
Além da mobilização de servidores e sistemas, o Palácio do Planalto sediou uma reunião em 25 de agosto de 2020 entre Bolsonaro, o então diretor da Abin e hoje deputado federal Alexandre Ramagem, o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e duas advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A pauta era discutir estratégias para “blindar” o parlamentar das apurações sobre um suposto esquema de desvio de salário dos funcionários do gabinete de Flávio, quando ele era deputado estadual pelo Rio. Posteriormente, o caso foi arquivado.
Segundo a PF, os agentes da Abin também atuaram para produzir provas em benefício do filho Jair Renan, na época investigado por tráfico de influência. Este inquérito também acabou sendo arquivado.
Em relação à apropriação irregular das joias, pelo menos cinco servidores da Ajudância de Ordens da Presidência, o ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GDAH), o ex-chefe da Receita Federal e uma diplomata do Itamaraty foram mobilizados para tentar reaver um kit retido no aeroporto de Guarulhos e transportar os outros conjuntos para fora do país.
Parte dos presentes — duas esculturas douradas de barco e árvore — embarcou em um voo da FAB em 30 de dezembro de 2022, quando Bolsonaro viajou aos Estados Unidos para não transmitir a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva. No dia anterior, em uma mensagem interceptada pela PF, o tenente-coronel Mauro Cid — então chefe da Ajudância de Ordens — perguntou a Bolsonaro se ele pretendia “trazer a árvore e o barco”? O ex-presidente respondeu, mas apagou a mensagem. “Sim, senhor”, registrou Cid, no fim.
A comitiva presidencial aterrissaria em Orlando, e Cid precisava levar a bagagem para Miami, a 380 quilômetros, onde estão os maiores centros de compra e venda de joias dos Estados Unidos. Por isso, ele acionou uma diplomata que havia sido assessora da primeira-dama Michelle Bolsonaro para ver se ela poderia levar a mala — o que não foi feito devido a trâmites burocráticos. “Vocês não têm um motorista para fazer isso. Putz, pessoal do Itamaraty é enroladinho, hein”, reclamou Cid.
Os quatro kits de presentes avaliados em R$ 6,8 milhões foram dados ao governo brasileiro em viagens oficiais a Arábia Saudita e Bahrein entre 2019 e 2021. Um ajudante de ordens foi em voo da FAB tentar liberar as joias retidas pela Receita Federal em Guarulhos, sem sucesso. O ex-presidente tratou dos itens apreendidos com o então chefe da Receita, Julio Vieira Gomes, que tentou achar uma brecha junto aos seus subordinados para reaver os produtos, também sem êxito Para a PF, o presidente coordenou uma tentativa de ficar com as joias criando uma “falsa urgência”.
No dia 4, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro, Mauro Cid e mais dez pessoas no inquérito do desvio de joias do acervo presidencial. Os crimes atribuídos são de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Caberá à Procuradoria-Geral da República decidir se oferece denúncia ou pede o arquivamento do caso.
Em nota, a defesa do ex-presidente classificou o inquérito das joias de “insólito” e afirmou que ele “em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens que pudessem de qualquer forma, serem havidos como públicos”.