Depois de uma viagem discreta e sem anúncio prévio para Moscou, na Rússia, onde esteve no Kremlin para discutir a guerra da Ucrânia, o ex-chanceler Celso Amorim afirmou que não estão “totalmente fechadas” as portas para uma negociação de paz com a Rússia.
Amorim, hoje chefe da assessoria especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esteve na quinta-feira (29) com o líder russo Vladimir Putin. A reunião entre os dois ainda não tinha vindo a público.
Na descrição de Amorim, os dois estiveram juntos por cerca de uma hora, na mesma mesa em que Putin tem recebido chefes de Estado mantendo uma enigmática distância. “Ficamos a uns oito metros um do outro”, brincou o conselheiro de Lula, em conversa nesta segunda-feira (03).
Os dois conversaram por meio de intérprete — o brasileiro em inglês, o anfitrião em russo. Quando a viagem foi organizada, com máxima discrição, não havia certeza — e nem expectativa firme — de um encontro com Putin. Amorim foi recebido pelo secretário do Conselho de Segurança, Nikolai Patrushev, e pelo principal assessor do Kremlin para assuntos internacionais, Yuri Ushakov.
Também teve um almoço com o ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, que virá ao Brasil no dia 17. “Quando eu saí daqui [de Brasília], não havia nenhuma certeza se falaria com Putin. Aliás, isso não estava nem previsto”, disse Amorim.
No começo da reunião, os dois falaram um pouco sobre temas bilaterais: o fluxo comercial entre Brasil e Rússia, o fornecimento de fertilizantes, a possibilidade de uso das moedas locais para compensar exportações e importações. Depois, entraram nas questões relativas à guerra.
“Dizer que as portas estão abertas [para uma negociação de paz] seria exagero, mas dizer que elas estão totalmente fechadas também não é verdade”, afirmou Amorim.
“Não há solução mágica [para interromper o conflito]. Mas haverá um momento em que, de um lado ou de outro, surgirá uma percepção de que o custo da guerra — não só o custo político, mas humano e econômico — será maior que o custo das concessões necessárias para a paz.”
Amorim continuou: “Minha sensação é de que esse momento ainda não chegou, mas pode chegar mais rápido do que se pensa. E aí a existência de um grupo de países ‘neutros’ — nisso é necessário colocar aspas — pode ajudar”.
De Putin, diretamente, o ex-chanceler brasileiro disse ter percebido claramente a visão de que os impasses que levaram à guerra e mantêm o conflito foram causados pelas potências ocidentais. “Mas havia o desejo de deixar alguma margem para que, em uma situação futura, haja algum tipo de negociação”, ponderou.
Para Amorim, pode haver uma percepção dos dois lados de que é possível vencer a guerra. No entanto, ele vê algo mais amplo. “Às vezes, sentimos do lado ocidental um certo cansaço de algumas forças [com a guerra]. Lá na Rússia, isso é menos perceptível. Em Moscou, não há a sensação de um país em guerra”, relatou.
Em meio ao conflito na Ucrânia, pouquíssimos chanceleres ou assessores presidenciais têm sido diretamente recebidos por Putin. Um dos poucos casos foi o do chinês Wang Yi, principal diplomata de Pequim, em fevereiro.
Amorim atribui a disposição do líder russo em recebê-lo ao papel do Brasil e, em especial, de Lula. Lembrou que o presidente brasileiro falou recentemente com o ucraniano Volodymyr Zelensky e com o francês Emmanuel Macron, por telefone, além de ter recebido o alemão Olaf Scholz em Brasília. “Se queremos ter alguma atuação, precisamos falar com todos”, concluiu Amorim.