Henry Kissinger completou 100 anos nesse sábado (27) e continua ativo e engajado com os problemas mundiais. Político e diplomata, ele contribuiu para criar uma ordem internacional subscrita por uma constelação de países concorrentes durante os governos de Richard Nixon e Gerald Ford, de 1969 a 1976, quando foi conselheiro de Segurança Nacional e secretário de Estado dos EUA.
O realismo impiedoso de Kissinger, moldado por sua experiência de infância na Alemanha nazista e por sua crença, na idade adulta, nas possibilidades dos EUA, foi essencial para evitar uma calamidade global durante a Guerra Fria. Alguns consideraram essa atitude inaceitavelmente cínica. Só o que importava para Kissinger, nesse caso, era a estabilidade que ela garantia.
A complexa visão de mundo de Kissinger foi moldada por seu confronto precoce com o mal do nazismo. Ele nasceu como Heinz Alfred Kissinger em Furth, Alemanha, em 1923, dez anos antes de Hitler consolidar sua ascensão ao poder. Nos 15 primeiros anos de sua vida, ele testemunhou em primeira mão a ascensão de um regime nazista genocida, que veio a inaugurar uma guerra mundial e a aniquilar milhões de seus pares judeus europeus.
Embora, como autoridade do governo, rejeitasse ideias românticas, reverenciava os EUA de uma maneira quase sentimental: “Em nenhum outro lugar vê-se a mesma generosidade de espírito e ausência de malícia”, escreveu ele, certa vez, sobre seu país de adoção.
Após servir o Exército dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, Kissinger foi para Harvard, onde dedicou seu intelecto ao estudo do poder nas relações internacionais. Seu livro de 1957 “Nuclear Weapons and Foreign Policy” o consagrou como proeminente geoestrategista. Em “The Necessity for Choice”, publicado em 1960, ele detalhou a ideia de uma “resposta flexível” às armas soviéticas, despontando como uma das influências máximas mais importantes da política externa do governo Kennedy.
Em 1969, Kissinger foi convocado pelo presidente Nixon para comandar o Conselho de Segurança Nacional, uma função que ele redefiniu e tornou mais poderosa. Nixon o nomeou secretário de Estado em 1973, e ele permaneceu no cargo até o fim do mandato presidencial de Gerald Ford, em janeiro de 1977. Hoje a parceria Kissinger-Nixon, imortalizada por fitas de áudio de conversas polêmicas entre os dois, é muitas vezes lembrada como uma aliança sinistra. Mas, como demonstrou Barry Gewen em seu extraordinário estudo recente de Kissinger “The Inevitability of Tragedy”, sua política pública marcada pela “realpolitik” foi providencial em preservar o poder americano, evitando, ao mesmo tempo, uma conflagração de grandes potências que poderia ter destruído o mundo.
Em 1973, Kissinger recebeu o prêmio Nobel da Paz, junto com Le Duc Tho, membro do Politburo do Partido Comunista do Vietnã, por seu papel no acordo de cessar-fogo na Guerra do Vietnã. Foi um prêmio polêmico, com dois membros deixando o Comitê Nobel em protesto. Tho rejeitou o prêmio, dizendo a Kissinger que a paz não havia sido restaurada no Vietnã. Kissinger escreveu ao Comitê Nobel que aceitou o prêmio “com humildade”, e doou o valor “aos filhos de militares americanos mortos ou desaparecidos em combate” na guerra. Após a desastrosa queda de Saigon em 1975, Kissinger tentou devolver o prêmio.
Nos anos da Guerra Fria, muitos questionaram a iniciativa de Kissinger em negociar com o repressivo regime soviético. Mas, ao buscar a “détente”, Kissinger empurrou Moscou na direção de ratificar tratados de desarmamento que garantiram a paz entre as duas superpotências hostis, criando um otimismo no mundo pelo estreitamento das relações entre Moscou e Washington.
O compromisso de Kissinger de desenvolver a maior compreensão profunda possível sobre outros países – não apenas de sua política como também de sua cultura e filosofia – foi o ponto forte secreto de sua diplomacia. Transformou Kissinger em uma dos poucas autoridades de governo americanas a dar valor à distinção fundamental entre as visões de mundo ocidental e chinesa.
O acesso obtido por Kissinger ao regime pária da República Popular da China em 1971, na ocasião escolhida de modo a explorar uma fissura entre Pequim e Moscou, foi criticado por ocorrer às custas da população de Bengala (região indiana que constituiu em parte o atual Bangladesh). A fim de alcançar uma abertura com a China, Washington apoiou a ditadura militar do Paquistão, um aliado chinês que fazia as vezes de via de acesso a Pequim, apesar de o país realizar um genocídio no atual Bangladesh.
Kissinger continua atuando nas questões mundiais – principalmente por meio de sua consultoria privada, que lançou em 1982 e se transformou num colosso multinacional, fornecendo consultoria e gerando um fluxo constante de mais de 100 livros e escritos.
Não surpreendentemente, em muitos círculos, Kissinger e sua visão global ainda são profundamente apreciados. Em 2015, a revista “Foreign Policy” o rotulou como “o secretário de Estado mais eficaz dos últimos 50 anos”, com uma classificação quase duas vezes maior que a do número dois, James Baker, e quatro vezes acima da pontuação da número três, Madeleine Albright.