Ícone do site Jornal O Sul

Ex-chefe da Abin municiou Bolsonaro contra urnas e fez lista de procuradores vistos como adversários

Ramagem sugeriu que o então presidente partisse para o enfrentamento, adotando uma atitude hostil. (Foto: Reprodução)

A Polícia Federal aprofundou as investigações sobre a estrutura paralela que existia na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo de Jair Bolsonaro e descobriu que o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), chefe do órgão à época, abastecia o então presidente com orientações para atacar o sistema eleitoral e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os investigadores encontraram também arquivos em posse do parlamentar com uma lista de procuradores da República considerados críticos à antiga gestão do Palácio do Planalto.

Em depoimento à PF, Ramagem reconheceu que costumava escrever textos “para comunicação de fatos de possível interesse” de Bolsonaro, mas ressaltou que não lembrava se essas mensagens foram passadas adiante. Também afirmou que não se recordava da confecção de um documento com informações sobre integrantes do Ministério Público.

Um dos documentos encontrados no computador de Ramagem é um arquivo em formato de word nomeado “Presidente TSE informa.docx”. Nele, há uma orientação para traçar uma estratégia de reforçar politicamente a “vulnerabilidade” das urnas eletrônicas. “Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do sr. (presidente Bolsonaro) no primeiro turno. Todavia, ocorrida na alteração de votos”, destaca o documento encontrado no e-mail de Ramagem, atualmente candidato à Prefeitura do Rio.

Força-tarefa

O texto passa, então, a sugerir a Bolsonaro que mine a confiança das urnas com informações comprovadamente falsas e sem fundamento. Há ainda a descrição de que foi constituído um grupo de confiança para “trabalho de aprofundamento da urna eletrônica” – que contaria com a ajuda de um major da reserva investigado por integrar um suposto plano golpista. O ex-chefe da Abin disse, porém, que não se lembrava desse fato e que não efetuou nenhum trabalho com o militar mencionado no documento.

Em outro texto, registrado com o nome “Presidente.docx”, Ramagem sugere que o então presidente parta para o enfrentamento, adotando uma atitude hostil. “Bom dia, presidente. O Sr. mais do que ninguém conhece o sistema e sabe que não houve apenas quebra de paradigma na sua eleição, mas ruptura com esquema dos Poderes. Nenhuma crise conseguiu enfraquecer sua base e não aparenta haver políticos à altura de vencê-lo em 2022. Portanto, parece que a batalha maior será agora, requerendo atitude belicosa com estratégia”, relata o então diretor-geral da Abin.

Logo em seguida, o texto registra, sem apresentar qualquer prova, que poderia haver um movimento de “golpe” no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra Bolsonaro. “Há armadilhas sendo colocadas. O inquérito do Celso de Mello possui relação com o inquérito das fake news do Alexandre de Moraes com intuito de fundamentarem o golpe no TSE”, pontua o arquivo, fazendo referência a procedimentos envolvendo o ex-presidente que tramitavam na Justiça.

O documento encontrado no e-mail de Ramagem, a partir de uma quebra de sigilo autorizada judicialmente, revela ainda que o ex-chefe da Abin municiava Bolsonaro com relatos difamatórios e sem qualquer comprovação de irregularidade sobre Moraes, alvo preferencial de ataques do ex-presidente e seus aliados.

Também entraram na mira da “Abin paralela”, segundo a PF, procuradores que eram vistos como adversários de Bolsonaro. A investigação encontrou uma lista com membros do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União que investigavam ou fizeram representações contra o ex-presidente, seus filhos e sua mulher, Michelle Bolsonaro. Também há dados de procuradores considerados contrários ao governo por investigarem aliados do presidente, como sua ex-mulher Ana Cristina Siqueira Valle e o empresário Luciano Hang.

O arquivo estava identificado como “Levantamento — Ataques do MPF.docx”. Segundo a PF, o documento era atualizado com frequência. Um dos nomes citados é o da procuradora do MPF Ana Carolina Haliuc Bragança, que é reconhecida pela atuação na área ambiental e responsável por operações de combate ao garimpo e ações de proteção ao meio ambiente na região Norte.

Também consta, no arquivo, o nome do procurador do MP do TCU Lucas Furtado. O documento traz detalhes de representações do procurador que afetaram o governo Bolsonaro. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) reagiu na sexta-feira (26) e disse que a Abin sob Ramagem cometeu “desvio de finalidade” ao monitorar procuradores. As informações são do O Globo.

Sair da versão mobile