Domingo, 17 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 17 de novembro de 2024
Ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), Rubens Barbosa considera que, apesar da postura ativa na área, o Brasil ainda não é um líder global na pauta ambiental. Segundo ele, falta ao País clareza nas políticas para o setor e o País evita temas importantes. “Não regulamenta o mercado de carbono, a transição energética está muito dúbia. E a coisa mais flagrante é a irritação de que a gente não tenha ainda quem vai coordenar a COP-30 (em Belém)”, diz.
1. Como o senhor avalia a posição do País?
O Brasil raramente está no centro dos acontecimentos. Agora nós estamos no centro dos acontecimentos na questão do meio ambiente, da mudança do clima, na questão da transição energética e na questão da segurança alimentar, que também tem a ver com o clima. O Brasil tem uma posição hoje de poder assumir esse debate. Acho que a posição do Brasil é muito forte, é a prioridade. O presidente declarou isso. Eu vejo o Brasil com uma função muito ativa. Agora, a reunião do G-20 e a reunião da COP-30 no ano que vem mostram a importância que esses temas têm para a política econômica e a política externa do Brasil.
2. É possível afirmar que o Brasil é o grande líder do Sul Global nesta pauta?
Eu não disse que o Brasil era um líder global, falei que esses temas eram prioritários para o Brasil. O Brasil deveria ser (líder), mas nós não somos, porque não temos políticas efetivas. A Europa tem uma posição muito mais ativa, por exemplo, em relação ao meio ambiente. Agora, no Brasil, acho que falta definir prioridades. Você tem problemas políticos, de organização interna, e uma falha na (percepção da) necessidade de assumir a liderança, porque esses temas são muito importantes por causa da Amazônia, da produção agrícola, da matriz limpa.
O País teria uma posição importante se tivesse uma visão clara dos objetivos e dos interesses. O Brasil não tem interesses muito claros, apesar de ter retórica. A gente não tem objetivos claros para defesa dos interesses brasileiros. A gente está evitando uma série de políticas. Não regulamenta o mercado de carbono, a transição energética está muito dúbia. E a coisa mais flagrante é a irritação de que a gente não tem ainda quem vai coordenar a COP-30. Estamos quase no fim do ano e não tem ninguém para assumir esse lugar. Há uma hesitação do governo que impede que o Brasil efetivamente ocupe uma posição de liderança.
3. O senhor mencionou a falta de indicação da presidência da COP-30. Como essa lacuna pode influenciar as discussões na COP-29?
Devia ter nomeado já. A COP29, no Azerbaijão, vai discutir a questão do financiamento. Se não resolver lá, esse assunto vai ser transferido aqui para o Brasil e vai ser o mote. Em Cali (na COP da Biodiversidade), a questão do financiamento também não foi resolvida. A ausência de uma autoridade brasileira para ser responsável pela coordenação disso tudo enfraquece a posição do Brasil. O presidente não foi em Cali, não vai no Azerbaijão, são problemas que influem na percepção externa sobre o Brasil.
4. O governo tem um discurso dúbio em relação ao petróleo. Isso prejudica nas negociações climáticas?
Acho que não prejudica em nada. O Brasil deveria defender seu interesse nisso. A França tem uma posição muito forte no meio ambiente e ela está explorando o petróleo nessa região. Os americanos com a Shell, os ingleses estão explorando na Guiana. A Noruega explora petróleo lá no Mar do Norte. Há um discurso e há uma prática. A prática é diferente da retórica no mundo inteiro. Não adianta o Brasil querer tomar uma posição muito dura em tudo sem ver qual é o nosso interesse. Tem de ser feita uma análise, balanceando o interesse da preservação do meio ambiente, da redução das emissões, e a questão dos combustíveis fósseis. A gente tem de ser realista. Não adianta defender uma posição abstrata quando o mundo inteiro está em outra. A Noruega explora o petróleo, faz um fundo e apoia soluções de meio ambiente. Aqui a gente pode fazer a mesma coisa.
5. Como a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos pode afetar nas negociações climáticas?
Vai ser muito complicada essa parte de mudança do clima, meio ambiente, transição energética. Essa discussão vai perder prioridade nos Estados Unidos. O Trump é a favor da exploração de petróleo, do gás. Já no primeiro mandato não deu importância (à questão ambiental), saiu do Acordo de Paris. Isso pode se refletir até na reunião do ano que vem aqui no Brasil, mas está um pouco cedo para prognósticos.