Essas são algumas das reflexões feitas por ex-dirigentes da pasta cultural ouvidos pela reportagem do Estado. Em geral, há nas falas um tom de respeito a Regina por sua história como atriz, com um ponto de destaque na série da Globo Malu Mulher, quando Regina viveu o papel de Malu, uma mulher recém-divorciada derrubando tabus machistas em pleno início de anos 1980. A vida real de Regina vai precisar de mais do que uma boa atuação, na opinião dos ex-ministros. “Ela já deu sinais de que discorda das posições de Roberto Alvim, mas não disse nada sobre as questões ligadas ao dirigismo cultural, à censura, às declarações homofóbicas, misóginas ou racistas. Como ela vai lidar com a adversidade cultural nesse cenário?”, pergunta Ana de Hollanda, ministra do governo Dilma Rousseff entre janeiro de 2011 e setembro de 2012.
“Em primeiro lugar, eu torço pela Regina Duarte para que ela consiga colocar ordem na casa”, diz Sérgio Sá Leitão, ministro da Cultura do governo de Michel Temer, em 2017, e atual secretário de Cultura do governo João Doria. “Há uma série de instituições importantes que precisam funcionar, o Iphan, o Ibram, a Biblioteca Nacional, a Funarte.” Sá Leitão, último ministro da Cultura antes que a pasta se transformasse em secretaria, diz que tem esperanças de que Regina consiga convencer o presidente Jair Bolsonaro de que a área volte a entender cultura não só como subsídio a espetáculos mas também como potencial econômico. “Essa ficha, infelizmente, ainda não caiu.”
Ele sugere a Regina que ela não leve à mesa questões ligadas a segmentos específicos, como propostas a minorias, em um primeiro momento. “Ela precisa estabelecer um diálogo focado em política cultural mais geral para conseguir a maior unidade possível.” Mas como gerir democraticamente, por exemplo, os projetos cinematográficos viabilizados pela Ancine? Bolsonaro já manifestou que não autorizaria subsídios a filmes com “conteúdo pornográfico” como, segundo disse, o longa sobre Bruna Surfistinha.
Sá Leitão diz que, para isso, é preciso lembrar o presidente de que existe a Constituição. “Quando um presidente assume a Presidência do País, ele faz um juramento de respeito à Constituição. E a Constituição garante o respeito do poder público à liberdade de produção artística intelectual. Prefiro acreditar que Regina, com seu prestígio, vai fazê-lo entender isso.”
Juca Ferreira, ministro da Cultura por duas vezes, a primeira entre julho de 2008 e dezembro de 2010 no governo Lula e a segunda, entre janeiro de 2015 e maio de 2016, no de Dilma Rousseff, é menos otimista. “Regina vai ser mais do mesmo em um governo que monta mecanismos de censura na cultura. Ela possivelmente será menos desastrada do que o antecessor Alvim, mas não será o suficiente.”
Ele cita o Prêmio Nacional das Artes, anunciado por Alvim no vídeo em que imitou o ministro nazista Joseph Goebbels e lhe valeu a demissão do cargo, como uma “tentativa de manipulação da produção cultural”. Segundo informações da secretaria, caberá ao novo secretário reavaliar a continuidade do prêmio.
O Ministério Público Federal já recomendou a anulação do projeto que prometia distribuir mais de R$ 20 milhões para produtores culturais que seriam escolhidos pela pasta – uma prática vista como dirigismo cultural pelos opositores. Para Juca, os artistas devem “continuar a fazer o que vêm fazendo”. “Produzindo muito, mesmo nessas condições, e resistindo sempre aos ímpetos autoritários.”
“Regina Duarte é a última chance de Jair Bolsonaro na Cultura”, diz o cientista político Francisco Weffort, ministro da gestão cultural de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002. Seu pensamento é em respeito a uma provável tentativa do governo de apaziguar a área com um quadro que aceite um convite para fazer parte de seu governo ao mesmo tempo em que conte com algum respeito profissional da classe. “Se ele perder Regina, vai ficar sem nada. E, nesse momento, é importante para o Bolsonaro que ele reconquiste ao menos parte da classe artística. É a última chance que tem para fazer isso.”