Sexta-feira, 18 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 16 de janeiro de 2024
Ex-ministros e dirigentes do governo de Jair Bolsonaro alegaram interesse em ir trabalhar na iniciativa privada e ganharam direito de receber salários extras por seis meses. Os pedidos foram submetidos à Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência ao final do governo Bolsonaro. Quando terminou o período de afastamento das funções públicas recebendo salário sem trabalhar, eles retornaram ao funcionalismo público.
Apesar do possível desvirtuamento do benefício da quarentena, não há, a princípio, ilegalidade nessas situações. Os servidores negam irregularidades.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, são 12 casos do tipo. São servidores públicos que atuaram como ministros, secretários de ministérios, presidentes de autarquias e diretores de empresas públicas no governo anterior. Entre eles estão o ex-ministro do Desenvolvimento Regional (MDR) Gustavo Canuto e o ex-ministro da Secretaria de Governo (Segov) de Bolsonaro Célio Faria Júnior. Canuto disse ter cumprido a quarentena de boa fé. Célio Faria Júnior não respondeu.
A quarentena existe para evitar o uso de informações privilegiadas obtidas por altos funcionários públicos ao irem trabalhar em empresas privadas. Ao decidir ir para a iniciativa privada, ele ou ela precisa consultar a Comissão de Ética Pública, que pode então liberar a pessoa imediatamente, ou submetê-la ao período de quarentena de até seis meses. Durante este período, a pessoa fica afastada de suas atividades e mantém o salário anterior. Ex-comandantes da Marinha e do Exército e um ex-diretor de uma autarquia apresentaram propostas de trabalho contestadas pelas empresas para receber os seis meses de salário extra.
Os processos da Comissão de Ética Pública foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Segundo o presidente da CEP, o advogado Manoel Caetano Ferreira Filho, a Comissão trabalha para evitar ao máximo liberar imediatamente pessoas que deveriam permanecer em quarentena, e também para evitar aqueles que “usam a quarentena apenas para obter uma remuneração durante o período em que não trabalham”. “A gente analisa os casos em que a gente concede a quarentena, para evitar que o funcionário utilize isso como férias remuneradas. É um risco que a gente enfrenta, e cuida muito para que não aconteça”, diz ele.
Apesar disso, diz ele, o fato de um servidor de carreira desistir de ir para a iniciativa privada e voltar ao serviço público após a quarentena não constitui, por si só, uma fraude. “A gente analisa a situação que é exposta para a comissão, com base nos documentos que a gente tem, com este cuidado mesmo de evitar que o funcionário utilize a quarentena, que tem um interesse público (…), para o seu interesse privado”, diz o presidente da CEP.
Economista e servidor civil do Comando da Marinha, Célio Faria Júnior foi ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República (Segov) de março de 2022 até o fim do governo. Antes, foi chefe do Gabinete Pessoal de Bolsonaro. Por decisão da CEP, ficou de quarentena de janeiro a junho deste ano. Na consulta, mencionou que gostaria de trabalhar com relações governamentais para uma empresa privada, mas sem dizer qual seria. Ao fim da quarentena, em 7 de junho, foi nomeado como assessor parlamentar na Liderança da Minoria no Senado.
Gustavo Canuto foi ministro do Desenvolvimento Regional até fevereiro de 2020, quando assumiu a presidência da Dataprev, a empresa pública de processamento de dados da União. Ao deixar o comando da Dataprev, recebeu uma proposta de trabalho na Consiglog, empresa que trabalha com empréstimos consignados de servidores. Canuto trabalharia na área de relações institucionais da empresa – mas, após os seis meses de quarentena, ele acabou desistindo. Voltou ao serviço público e está hoje na Secretaria de Gestão e Inovação (Seges) do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI).
Canuto diz que cumpriu a quarentena de boa fé: ele realmente cogitou passar para a iniciativa privada, mas fatores como a possibilidade de passar mais tempo com a família pesaram na decisão de continuar no serviço público. “Acabei recebendo um convite de uma pessoa que eu gosto, para trabalhar na equipe dela. (…) Gosto do serviço público e acredito que ainda posso contribuir, independente da gestão”, disse ele.
Além de Canuto e Célio Faria Júnior, a lista inclui também os ex-secretários do antigo Ministério da Economia Alexandre de Carvalho e Marcelo Varella. Há também os ex-secretários Helder Melillo (Desenvolvimento Regional), Emmanuel Sousa de Abreu (Ministério de Minas e Energia) e Marcelo Marcos Morales (Ciência e Tecnologia).
A lista segue com a ex-presidente do Iphan Larissa Peixoto; o ex-secretário de controle interno da CGU Antônio Carlos Bezerra Leonel; o ex-diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Garigham Amarante; o ex-diretor da Companhia das Docas do Rio Jean Paulo Castro e Silva e o ex-diretor da Empresa de Planejamento e Logística S. A. (EPL) Marcelo Guerreiro Caldas.
A advogada constitucionalista e professora Vera Chemim explica que, embora não haja, a princípio, fraude nestes casos, servidores públicos que usam a obrigatoriedade da quarentena para proveito pessoal podem ser processados administrativamente. Neste caso, a pena mais severa é a demissão. Além disso, se ficar comprovado que algum servidor usou a quarentena para garantir um tipo de “sabático” indevido, ele pode ser denunciado por ato de improbidade administrativa, avalia ela.