Em mais um capítulo do furacão dentro do Partido Democrata, a ex-presidente da Câmara dos Deputados e uma das principais lideranças da sigla, Nancy Pelosi, sugeriu que, caso o presidente dos EUA, Joe Biden, realmente desista de disputar a Casa Branca, uma primária aberta deveria ser realizada para decidir o seu substituto — em vez da consagração automática da vice-presidente Kamala Harris. A informação foi revelada pelo jornal The New York Times com base em relatos de uma reunião a portas fechadas entre Pelosi e colegas de delegação da Califórnia no início do mês.
Isolado em sua casa em Delaware enquanto se recupera de uma infecção por coronavírus, Biden estaria “furioso” com Pelosi, a quem considera a principal instigadora do boicote contra seu nome no partido e responsável por vazamentos coordenados das tensões internas à imprensa, segundo fontes ouvidas em anonimato pela CNN americana.
Amigos de longa data, a relação entre Biden e Pelosi estremeceu ainda mais na sexta-feira, quando a deputada californiana Zoe Lofgren endossou os apelos de mais de 30 parlamentares para que o presidente de 81 anos abdicasse da disputa contra o ex-presidente Donald Trump. Uma das suas aliadas mais próximas, Lofgren — cujas declarações geralmente recebem o selo de aprovação de Pelosi antes — defendeu uma certa competitividade na escolha do substituto.
“Se ele tomar essa decisão, será necessário tomar medidas rápidas”, disse Lofgren ao canal MSNBC após tornar público seu pedido de desistência. “Não acho que possamos fazer uma coroação. Uma espécie de mini-primária, talvez uma avaliação feita por ex-presidentes, incluindo Obama e Clinton, seria útil.”
Primária: golpe ou legitimação?
Dois democratas da Câmara próximos a Pelosi, falando à rede CNN sob condição de anonimato, atribuíram a escalada da pressão sob Biden à ex-presidente da Câmara. De acordo com os deputados, ela acredita ser fundamental que o presidente e seu entorno compreenda que os esforços para tirá-lo não vão desaparecer após a Convenção Republicana, que oficializou a candidatura de Trump à Casa Branca nesta semana.
Antes, Pelosi teria, sem sucesso, mostrado em particular ao presidente diversas pesquisas — algumas encomendados por ela mesma — que apontam o cenário difícil que ele tem pela frente caso não desista da competição. A colegas, a deputada teria dito que, caso Biden persista na chapa, os democratas não teriam qualquer chance de recuperar o controle da Câmara, hoje sob uma estreita maioria republicana, disseram três pessoas familiarizadas com a reunião.
A opção por uma primária aberta, inclusive, teria partido de levantamentos feitos pelo partido que indicam que o partido tem ótimos quadros competitivos além de Kamala, incluindo senadores e governadores de estados-chave na disputa, segundo uma fonte ouvida pelo Times.
Nos bastidores, Pelosi — que se diz amiga e fã de Kamala — teria dito que um processo competitivo na Convenção Democrata, entre 19 e 22 de agosto, fortaleceria seu nome na eleição geral. Contudo, alguns parlamentares pontuaram que a iniciativa poderia ser vista como um golpe por parte do eleitorado negro para tirar a vice e substituta natural de Biden da jogada.
Retorno de Biden
Apesar escalada da pressão, Biden anunciou que retomará seus compromissos de campanha nesta semana, assim que for liberado pelos médicos. Ainda no início do dia, a sua chefe de campanha, Jen O’Malley Dillon, assegurou que Biden continua na corrida em entrevista a um programa matinal na MSNBC.
“Absolutamente o presidente está nesta corrida, nós ouvimos ele dizer isso de novo e de novo”, disse Dillon. “O presidente é o líder da nossa campanha e do país e (…) ele é a melhor pessoa para derrotar Donald Trump.”
Visita de Netanyahu
Aliados, no entanto, disseram após o diagnóstico de covid que o presidente vem cada vez mais aceitando a realidade de que a desistência é mais uma questão de “quando” do que “se”. Jornalistas americanos que cobrem a Casa Branca revelaram que um anúncio poderia acontecer até este domingo (21).
Mas um fator pode adiar a decisão: a visita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a Washington na quarta-feira (24), a convite de parlamentares republicanos. Segundo assessores, Biden não gostaria de dar tal satisfação ao premier, com quem já teve atritos públicos apesar do apoio americano à ofensiva em Gaza.
A articulação de Biden para mediar o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas é citada frequentemente pelo presidente em seus discursos de campanha. O democrata apresentou um plano de paz para um cessar-fogo na guerra, condicionado ao retorno dos reféns mantidos pelo Hamas, mas as negociações sofrem com entraves cujos motivos vão além da capacidade de ação americana e envolvem também o tênue equilíbrio de forças na política doméstica israelense.