O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes disse à Polícia Federal que “sempre deixou evidenciado” ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que não participaria de medidas com teor golpista, ou que atentassem contra a democracia.
Aos investigadores, Freire Gomes confirmou que, após as eleições de 2022, Bolsonaro apresentou a ele e aos outros comandantes das Forças Armadas uma minuta de decreto para instaurar um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e “apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral”.
O ex-comandante do Exército depôs à PF no dia 1º de março, na condição de testemunha, por mais de 7 horas. Trechos do depoimento foram publicados pelo site da revista Veja. A TV Globo também teve acesso ao material.
Freire Gomes disse aos policiais federais que participou de diversas reuniões com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, em 2022.
Nesses encontros, segundo o general, Bolsonaro apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), estado de defesa e estado de sítio, para impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O ex-comandante disse à PF que, ao ser apresentado aos documentos por Bolsonaro, sempre deixou evidenciado ao então presidente que o Exército não participaria da implementação desses institutos visando reverter o processo eleitoral”.
Segundo o termo de depoimento, Freire Gomes ressaltou que deixou claro ao ex-presidente e ao então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que o Exército “não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional”.
Minuta golpista
Segundo o depoimento do general, a minuta de decreto para instaurar um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi apresentada por Bolsonaro aos comandantes das Forças em uma reunião no Palácio da Alvorada, em dezembro de 2022.
Freire Gomes disse à PF que o conteúdo era semelhante ao da minuta encontrada pela PF em janeiro de 2023, na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres.
Naquela oportunidade, o documento encontrado na residência do ex-ministro da Justiça previa a decretação de um “Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral” e a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”, comandada pelos militares e com o objetivo de “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral.”
Primeira reunião
O general disse à PF que uma versão do documento foi apresentada em uma primeira reunião entre Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas.
Segundo Freire Gomes, “na referida reunião possivelmente Filipe Martins leu o referido conteúdo aos presentes e depois se retirou do local, ficando apenas os militares, o então ministro da Defesa e o então Presidente da República Jair Bolsonaro.” Filipe Martins, ex-assessor da Presidência da República, é um dos alvos da Operação Tempus Veritatis, que investiga a organização de uma tentativa de golpe de Estado.
A operação também tem entre os alvos o ex-presidente Bolsonaro, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, e o ex- ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira — todos mencionados por Freire como participantes da reunião.
O ex-comandante disse à PF que Bolsonaro descreveu o documento como “em estudo” e disse que depois “reportaria a evolução aos comandantes.”
Segunda reunião
Freire Gomes afirmou no depoimento que uma nova reunião foi realizada uma semana depois, no dia 14 de dezembro, também no Alvorada. E uma nova versão do texto foi apresentada – esta, semelhante à do documento encontrado na casa de Torres, também alvo da operação.
Freire Gomes disse à PF que Torres servia de “suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas.”
Aos investigadores, o ex-comandante disse que “em outra reunião no Palácio da Alvorada, em data em que não se recorda, o então presidente Jair Bolsonaro apresentou uma versão do documento com a decretação do estado de defesa e a criação da comissão de regularidade eleitoral para ‘apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral’.”
Nesta reunião, segundo o ex-comandante, estavam presentes ele, o ex-presidente Bolsonaro, o ex-comandante da Marinha, almirante Garnier, o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Junior e o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
Freire Gomes disse à PF que, nesta reunião, ele e o brigadeiro Baptista Junior “afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto” e disseram que “não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude.”
Já o almirante Garnier, segundo Freire Gomes, “teria se colocado à disposição do Presidente da República.”
O general também disse à PF que alertou o ex-presidente Bolsonaro de que a proposta discutida sobre o tema “poderia resultar na responsabilização penal do então presidente da República.”