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No Twitter e no TikTok, extremistas procuram cativar adolescentes em busca de aceitação

Grupos de ódio migram de fóruns ocultos para redes sociais e atraem jovens. (Foto: O Sul)

O recente ataque à escola em São Paulo, onde um aluno de 13 anos matou uma professora, expõs o avanço de grupos extremistas nas redes sociais. Antes concentrados em ambientes mais escondidos, como chans (fóruns anônimos) e outros espaços na deep web (face oculta da internet), eles agora se espalham por redes com milhões de acessos, como Twitter e TikTok. Um dos principais alvos são adolescentes, em geral meninos, em busca de aceitação e atraídos por ideias radicais. “Eles têm uma imagem distorcida de que o atentado vai transformá-los em heróis”, explica a pesquisadora Michele Prado.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública começou, há dois anos, um novo trabalho de prevenção a ataques no Ciberlab, laboratório que passou a ficar mais focado em auxiliar as polícias a desarticular possíveis atentados. Com ajuda da Homeland Security Investigation (HSI), agência norte-americana que atua no Brasil por meio da Embaixada dos Estados Unidos, o setor enviou 80 alertas aos Estados só no último ano – 134 desde 2021.

Nas redes virtuais, os grupos se organizam normalmente por subculturas como a True Crime Community – focadas em ideários misóginos (ódio à mulher) e neonazistas – e costumam homenagear autores de outros massacres, tanto no exterior, como o de Columbine (EUA, 1999), quanto do Brasil, como os de Suzano (São Paulo, 2019) e Realengo (Rio, 2011). Entre os adolescentes mais suscetíveis às investidas dos extremistas estão os da comunidade gamer e aqueles que se veem cativados por promessas de que a violência apagará frustrações cotidianas.

“Eles formam um sistema de crenças no qual têm uma imagem autopercebida distorcida, de que o atentado vai transformá-los em heróis, em mártires, e de que haverá uma purificação”, diz Michele Prado, que estuda a extrema direita e íntegra o Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP.

Conteúdo extremista

Nas redes, não é difícil achar “edits”, vídeos que romantizam os autores de atentados mais antigos com músicas dramáticas. A cooptação de adolescentes normalmente começa em redes mais abertas e as interações se radicalizam ainda mais ao chegar em ambientes privados.

Quem se envereda por esses grupos nem sempre tem perfil extremista no começo, mas se empolga com a possibilidade de pertencer a uma comunidade e se torna cada vez mais radical. A pouca idade dificulta a avaliação sobre o risco dos conteúdos apresentados.

“Com o avanço principalmente de aplicativos de mensagem, como Telegram, que são criptografados, ficou mais difícil o monitoramento e mais fácil para todos os extremistas conseguirem amplificar seus conceitos, para cooptar, radicalizar e recrutar inclusive para o extremismo violento”, diz Michele.

A pesquisadora reforça que a migração dos grupos extremistas para a “superfície” da internet se intensificou há cerca de quatro anos. “Hoje não precisa mais buscar por conteúdo extremista; chega na palma da mão”, alerta.

Para especialistas, faltam políticas públicas focadas em crimes de ódio, como interface mais direta entre escolas e polícia e especialização dos investigadores – conhecer massacres emblemáticos ajuda a identificar simbologias comuns e buscar palavras-chave na rede. Eles cobram ainda atuação mais proativa das plataformas.

Monitoramento

De janeiro a março, o Ministério da Justiça emitiu 21 alertas aos Estados. “Esse conteúdo é repassado às polícias estaduais, que instauram seus procedimentos investigativos e, a depender da quantidade de elementos, solicitam eventualmente busca e apreensão”, diz o delegado Alessandro Barreto, coordenador do laboratório.

O apoio de agências especializadas e grupos de pesquisa é outro caminho. A Safernet, organização não governamental, auxilia a divisão de São Paulo do Ministério Público Federal (MPF) nas investigações no ambiente virtual. No ano passado, o total de queixas recebidas pela Safernet cresceu 67% – chegou a 74 mil. Já as denúncias de apologia a crimes contra a vida, onde se enquadram ameaças de ataques a escolas, subiram 40% – foram 10,4 mil. As redes com mais registros foram Twitter, TikTok, Instagram, Facebook e Telegram.

Segundo Thiago Tavares, presidente da Safernet, os atentados a escolas não seguem a lógica de células terroristas na Europa e no Oriente Médio. “Aqui tem sido mais a ação de ‘lobos solitários’”, diz. “Geralmente jovens com problemas mentais, com ideação suicida, estimulados a praticar atos de violência e que passaram por processo de radicalização. Eles enxergam o diferente como alguém a ser eliminado. Não aceitam conviver com diferenças de gênero, orientação sexual, raça, etnia”, continua.

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