Em meio a uma nova onda de judicialização, várias faculdades conseguiram liminar para abrir cursos de medicina sem o credenciamento do Ministério da Educação (MEC). Já há cerca de 3.500 vagas nessa condição, com alguns alunos em sala de aula, após matrícula no primeiro semestre, e outras instituições de ensino em fase de processo seletivo.
Nesse cenário, as decisões do juiz federal substituto da 3ª Vara Federal do Distrito Federal, Bruno Anderson Santos da Silva, têm chamado atenção. O magistrado deferiu liminares permitindo a abertura de vestibular para 2.393 vagas de medicina, ou seja, 68%. O volume chega a ser superior as 2.176 vagas autorizadas pela pasta neste ano. O MEC está recorrendo das decisões.
Os casos de liminares pedindo a realização de vestibular de cursos sem o credenciamento oficial do governo estão concentradas nas 3ª e 21ª varas do DF, que juntas têm quatro juízes.
Cerca de 15 instituições de ensino foram atendidas pelo juiz. Entre elas, está a Ser Educacional que teve pedidos autorizados para abrir cursos no Rio, Belo Horizonte e Recife. No total, a companhia tem pelo menos 900 vagas, distribuídas em diferentes regiões do país, pleiteadas via liminar. Parte delas tem autorização do MEC e outras operam judicialmente.
O levantamento do MEC sobre o número de vagas de medicina autorizadas com liminar considera a quantidade que cada instituição de ensino solicitou na ação judicial. Nas decisões, os juízes não especificam o volume concedido.
“Há faculdades informando ter aberto só 60 vagas mesmo que tenham obtido liminar para um número maior. Há outros em que a faculdade prefere manter apenas 60 porque esse é o número que o MEC autoriza”, disse uma fonte. “Há, no entanto, instituições abrindo matrículas para o número total de vagas que conseguiu na liminar. É muito difícil controlar isso, porque esses alunos não estão registrados no sistema do MEC porque o curso não está registrado”, afirmou outra pessoa familiarizada com o assunto.
A estratégia dessas escolas tem sido matricular alunos rapidamente e forçar a pasta autorizar as vagas, uma vez que cancelar o curso nessa situação é uma medida impopular.
Judicialização
O professor Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do estudo Demografia Médica no Brasil, destacou que o país saltará de cerca 600 mil médicos, atualmente, para 1 milhão em 2030 e que a prioridade agora deveria ser a avaliação da qualidade dos atuais cursos e alunos e não a liberação de mais vagas. “A autorização por liminar é o pior dos mundos. E, o problema não é só a distribuição de médicos no país e, sim, a falta de especialistas na rede pública, eles estão concentrados na rede privada, que atende 25% da população com planos de saúde”, disse.
As faculdades que judicializaram agora alegam que seus pedidos de análise para abertura de curso de medicina estão demorado e entram com nova liminar, desta vez, para já iniciar as aulas, mesmo sem o credenciamento do MEC.
Há ainda instituições recorrendo quando o MEC nega o pedido. Dessa forma, há pelo menos três tipos liminares: pedido de análise de criação de curso, abertura de vestibular e questionamentos de decisões negativas do MEC.
Nesse cenário de caos jurídico, o ministério entrou com uma reclamação constitucional no STF, alegando que a decisão de julho do próprio Supremo não está sendo respeitada. Foi levado o caso da Unifacens, de Sorocaba, cujo curso aberto via liminar já tem uma turma de alunos estudando. A expectativa do MEC é conseguir uma decisão favorável no STF e frear a judicialização.
Uma liminar não obriga o governo a abrir um curso de medicina pleiteado judicialmente. A exigência é para que o MEC analise o projeto da faculdade, a fim de verificar se a iniciativa é viável.