O governo federal decidiu jogar duro contra os criadores e propagadores de fake news sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul. A reação é motivada pela constatação da existência de uma campanha deliberada de desinformação que prejudica ações humanitárias como resgates, entrega de donativos e até a cobertura pela imprensa – incluindo episódios de hostilização a repórteres.
Uma equipe foi criada recentemente para analisar as mentiras que tem circulando em redes sociais e aplicativos de mensagens como o whatsapp. Em outra frente, o advogado-geral da União, Jorge Messias, reuniu-se com administradores de redes sociais para que as plataformas se engajem em um esforço contra as notícias falsas.
Integrantes do Poder Executivo perceberam uma ação coordenada na divulgação de fake news, a fim de desgastar o governo federal e dificultar as ações de salvamento e reconstrução. Influenciadores e políticos que disseminam conteúdos falsos têm sido monitorados – eles continuam agindo livremente e, quando interpelados, alegam “censura”.
Um deles é o influenciador digital e pretenso comediante Pablo Marçal, contra o qual a Advocacia-Geral da União (AGU) moveu ação judicial com pedido de resposta na rede que administra em razão de postagens com informações falsas sobre a atuação das Forças Armadas no auxílio à população gaúcha.
Ele não apenas acusou os militares de inércia na tragédia, como disse em umas das suas apresentações que a Receita Estadual gaúcha estaria barrando caminhões carregados de donativos por não terem nota fiscal — conteúdo compartilhado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e pelo senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG).
Receptividade
Os militares que atuam no resgate às vítimas no estado foram os primeiros a perceber a mudança na receptividade da população em relação a eles. Titular do Ministério da Defesa, José Múcio ressalta:
“Existem alguns desavisados que têm nos atrapalhado. Estamos sendo vítimas, principalmente as Forças Armadas, de fake news de pessoas que, enquanto nós estamos lutando para salvar vidas,estão pensando em eleições, em votos, em agredir”.
Uma das notícias falsas que circularam diz que a Marinha faz blitzes contra barcos usados para o resgate e envio de mantimentos e exige a habilitação dos pilotos. Outra mentira acusa os militares de estarem de braços cruzados, pois não haveria aeronaves para as operações de resgate.
Quem também atacou o oportunismo de políticos na disseminação de mentiras foi o comandante do Exército, general Tomás Paiva:
“Essas postagens falsas são abomináveis e atrapalham o trabalho. As pessoas que disseminam fake news estão batendo em gente que está ajudando, que está salvando vidas. Muitos soldados que estão lá, trabalhando, foram diretamente afetados pela tragédia. Essas publicações são cruéis e antiéticas”.
O alarme sobre a intensidade das mentiras soou para o governo depois que o general Hertz Pires do Nascimento, que comanda os esforços de resgate no Rio Grande do Sul, foi acusado nas redes sociais pela morte de crianças em hospitais gaúchos.
Durante reunião da sala de situação, no Palácio do Planalto, ele fez um apelo para que o Executivo tomasse providências. No mesmo dia, o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência Paulo Pimenta acionou a Polícia Federal (PF) e a AGU contra as fake news.
Múcio pediu a ajuda da imprensa profissional para combater e denunciar as mentiras. “Apelo aos senhores que façam também uma campanha para que essas pessoas saiam de suas trincheiras políticas e venham nos ajudar aqui fora. Ajudem o Rio Grande do Sul e, depois, retornem às suas batalhas políticas, porque este momento exige responsabilidade, fraternidade e amor ao próximo”, exortou.
Médicos investigados
A Secretaria de Comunicação Social (Secom) pediu à AGU e à Polícia Federal (PF) que os médicos Roberta Zaffari Townsend e Victor Sorrentino também sejam investigados por suspeita de disseminarem fake news.
A dupla afirmou nas redes sociais que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estaria dificultando o envio de medicamentos, obtidos por meio de doação, para os atingidos pelas chuvas no Rio Grande do Sul. A versão foi, inclusive, compartilhada pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP).
Conforme Roberta e Victor, “colegas médicos” conseguiram aviões privados para transportar donativos mas a “burocracia da Anvisa” estaria impedindo o envio dos remédios. A Agência já divulgou nota afirmando que é falso o vídeo” e que não efetuou qualquer restrição ao transporte de medicamentos destinados ao Rio Grande do Sul.
“É importante reforçar que estão sendo disseminadas notícias falsas de que a Anvisa está restringindo a chegada de medicamentos doados ao Rio Grande do Sul. Essa informação é falsa e fake news é crime. Informe-se antes de repassar!”, diz a nota.
Roberta acumula 33,5 mil seguidores no Instagram e Victor é seguido por 1,3 milhão. Ele vende cursos de pós-graduação em medicina funcional integrativa e faz publicações motivacionais em seu perfil nas redes sociais.
Pena maior em situação extrema
Ao menos Três projetos de lei endurecem as penas para crimes cometidos em momentos de epidemias ou calamidade pública. É o caso das enchentes que devastam o Rio Grande do Sul.
O mais avançado, aprovado quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, aumenta a pena para o crime de estelionato praticado durante situações como essas — o Código Penal hoje prevê a reclusão de um a cinco anos.
No Senado, a Comissão de Assuntos Sociais pode votar, na quarta-feira, dois PL que agravam a punição para infrações contra medidas sanitárias, em situações como a pandemia ou as enchentes que castigam o povo gaúcho.
(Marcello Campos)