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Fake news viram arma política na tragédia climática do RS

Rede organizada explora discurso "anti-Estado" de olho nas eleições. (Foto: Giulian Serafim/PMPA)

A tragédia climática no Rio Grande do Sul gerou um aumento na disseminação de desinformação sobre as enchentes por influenciadores e parlamentares de direita, cujas postagens nas redes sociais estão sob investigação da Polícia Federal. Nas publicações, eles exaltam o trabalho de voluntários e atacam a ação de governos e Forças Armadas.

“A desinformação no Brasil é um fenômeno político. Dependendo da ideologia que a pessoa segue, escolhe certas fontes. A mediação dos algoritmos sugere outros conteúdos e outras pessoas para seguir nessa linha. Então, cai no buraco de uma teoria da conspiração ou desinformação não por ignorância, mas pelos seus valores”, analisa o professor de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Yurij Castelfranchi. A catástrofe ambiental, diz, agravou esse fenômeno.

Castelfranchi é coautor de uma pesquisa recém-lançada que avaliou o consumo de informações pelos brasileiros. O estudo, produzido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, constatou que o meio ambiente e as mudanças climáticas estão entre os temas de maior interesse do público (76,2%). No entanto, metade dos entrevistados disse já ter se deparado com fake news, e 9% admitiram compartilhar esses conteúdos mesmo sabendo disso.

Visão “anti-Estado”

Segundo especialistas, catástrofes climáticas como a enfrentada pelo Rio Grande do Sul favorecem a circulação de desinformação, propagada por perfis alinhados à direita. “Pegam no imaginário de uma população extremamente carente, que já tem péssimas experiências com o setor público e que vai acreditar que há essa sabotagem do Estado. Isso cria uma má vontade em relação ao trabalho da polícia, do Exército, e fortalece os amadores e influenciadores”, explica Fabrício Pontin, professor de Relações Internacionais da Universidade LaSalle, de Canoas (RS), região atingida pelas chuvas.

O aumento na disseminação de fake news sobre a tragédia climática foi constatado pelo grupo de pesquisa da USP Monitor Político, que analisa a polarização do debate político. Emnota técnica, eles apontam que “a profusão de mensagens indicava que o fenômeno era muito significativo”, com praticamente uma em cada três mensagens publicadas no X (antigo Twitter) adotando um tom “anti-Estado”.

Antagonismo

Entre as postagens falsas compartilhadas estão a que relatava que a entrada de caminhões com doações para as vítimas tinha sido barrada pela Receita Federal e que voluntários em barcos e helicópteros foram impedidos de realizar resgates. Outra notícia falsa de alcance local alega que pessoas com uniforme do Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae) de Porto Alegre estão assaltando casas. Como resultado, moradores passaram a barrar os servidores públicos.

“As consequências políticas desse tipo de disseminação são enormes, são danosas, podem custar vidas. Estamos gastando o dobro de energia para alertar sobre notícias falsas ao invés de orientar as pessoas sobre como devem deixar suas casas”, alerta Pontin.

Segundo o professor, os grupos que espalham fake news testaram vários tipos de notícias falsas. As mais bem sucedidas não promoviam o negacionismo climático, mas sim o discurso de que a atuação do governo está atrapalhando o trabalho dos voluntários.

Plataforma de campanha

Para especialistas, a mobilização da desinformação sobre a tragédia climática por grupos de direita é uma estratégia para ganhar espaço nas eleições municipais de outubro. Essa tendência de compartilhamento organizado de notícias falsas é observada no Brasil desde 2016, e se intensificou nas campanhas eleitorais.

Doutor em comunicação e professor da Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), Christian Gonzatti explica que a performance digital dos políticos visa manter o eleitorado engajado. “Precisam desse diálogo com o público para ter poder. Apelam à ideia de um perigo que precisa ser denunciado para ganhar visibilidade e depois convertê-la em outras formas de poder.”

Segundo Pontin, esses grupos por onde a desinformação circula amplificam perfis de possíveis candidatos que defendem pautas neoliberais de redução do Estado e negacionismo climático. O discurso cola no público “não porque são contra o meio ambiente, mas porque têm medo das consequências de ter que mudar o paradigma”. “Assim, criam-se lideranças que podem ser candidatas na eleição”, diz.

Segundo Gonzatti, a própria arquitetura da informação das redes sociais favorece a circulação de notícias falsas. “As redes são construídas para manter os usuários o máximo de tempo possível consumindo conteúdo em sequência. Por isso não vão confrontá-las na sua visão de mundo, porque precisam desse ambiente que prende a atenção. Isso dá retorno financeiro para as plataformas”, afirma.

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