Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 24 de julho de 2024
“Eu vivi um luto de uma semana. Fiquei chorando e daí eu entendi que eu precisava lutar por ele”, conta a administradora Raquel Berg, de 39 anos. Há menos de um mês, seu filho Henrique, de 1 ano, recebeu o diagnóstico de atrofia muscular espinhal (AME), doença genética rara que afeta os movimentos do corpo e pode até ocasionar a morte.
No caso de Henrique, o diagnóstico foi de AME tipo II e os sinais de fraqueza muscular começaram a aparecer entre os seis e oito meses, quando ele atrasou para sentar e não conseguia engatinhar. Como os danos motores causados pela condição são irreversíveis e atrapalham os marcos de desenvolvimento de uma criança, o ideal é iniciar o tratamento logo após o diagnóstico ser feito.
Assim que teve a confirmação da doença, Henrique recebeu a prescrição do medicamento zolgensma, uma terapia genética inovadora conhecida por ser o remédio mais caro do mundo – cerca de R$ 6 milhões por dose.
Por enquanto, o menino não conseguiu acesso à terapia nem pelo plano de saúde nem pelo SUS. Ambos fornecem a medicação apenas para bebês com até seis meses e com AME tipo I. No SUS, porém, o remédio não está sendo ofertado nem nesses casos, devido a um atraso de mais de um ano em um acordo entre o Ministério e a farmacêutica Novartis, fabricante da terapia.
Raquel agora corre contra o tempo na Justiça para obrigar o sistema público a garantir o tratamento antes do agravamento do quadro do filho. “No dia 27 de junho, a gente recebeu a confirmação (do diagnóstico) e aí começou toda a correria”, conta ela sobre o caminho que tem percorrido para conseguir o tratamento prescrito para seu filho.
Simultaneamente, a administradora abriu uma campanha online para arrecadar os mais de R$ 6 milhões do custo do zolgensma. Até agora, ela arrecadou cerca de R$130 mil, dinheiro que será doado para outras crianças que lutam pelo medicamento caso Henrique consiga uma liminar para tratamento no SUS.
Esse caso ilustra o drama das famílias de crianças com AME. O primeiro desafio é o diagnóstico, já que a doença é rara e nem todos os profissionais estão treinados para reconhecer os sintomas. Outra grande dificuldade é o acesso ao tratamento, pelo alto custo dos medicamentos e pela necessidade de início imediato das terapias.
Danos irreversíveis
A doença, que atinge 1 a cada 100 mil pessoas, é causada por uma mutação genética e considerada degenerativa, pois evolui com o passar do tempo, levando o paciente a limitações de movimento. Isso interfere em gestos que vão desde a mobilidade corporal até funções vitais, como a respiração e a deglutição.
Os danos motores causados pela doença são irreversíveis, mas o remédio evita que a mutação continue prejudicando a movimentação, por isso a urgência na administração do medicamento, para que a criança tenha o mínimo possível de sequelas. O zolgensma tem esquema de apenas uma dose, por meio da qual um vírus insere no organismo do bebê uma cópia funcionante do gene afetado pela doença.
Em 2020, a Anvisa aprovou o uso do zolgensma no Brasil para crianças de até dois anos; em 2022, o medicamento foi incorporado ao SUS; e, em 2023, entrou no rol de cobertura dos planos de saúde, mas, em ambos os casos, somente para crianças de até seis meses de idade, com AME tipo I e que estejam fora de ventilação invasiva acima de 16 horas por dia são elegíveis ao tratamento.
A AME é classificada em tipos diferentes de acordo com o grau de comprometimento dos músculos e pela idade em que surgem os primeiros sintomas. No caso do Henrique, que tem AME tipo II, a fraqueza muscular é mais moderada em comparação com a AME tipo I.
“Ainda assim é grave, mas o paciente não tem a necessidade obrigatória e rápida de suporte respiratório”, explica Diogo Haddad, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e que não está envolvido no caso do paciente.
Mesmo não estando dentro do quadro previsto para receber o zolgensma pelo SUS, Henrique recebeu um bom prognóstico dos médicos. “Disseram que ele tem bastante resposta motora, então o prognóstico é excelente. Inclusive, se ele tomasse a medicação hoje, teria chance de, aos 3 anos, por exemplo, já estar andando porque, pelos testes, ele ainda tem reflexo motor e conseguiria recuperar isso com fisioterapia”, diz Raquel. (O Estado de S. Paulo)