Mark Wahlberg chega atrasado, mas com um sorriso no rosto: “Estou muito cansado. Cheguei ontem de Londres, estava filmando lá. Era tarde, quase não dormi. Hoje de manhã, às sete horas, levei meus filhos para jogar golfe. Depois de amanhã volto para Londres, bem cedo, cinco da manhã. Não aguentava mais ficar longe da minha família, estava longe deles desde abril”.
O filme em Londres era o thriller “Our man from Jersey”, e Wahlberg não podia perder três dias livres em Los Angeles só para rever a família, também tinha que divulgar “Father Stu” (que ganhou no Brasil o título de “Luta pela fé – A história do padre Stu” e chega aos cinemas nesta quinta, dia 26), filme independente que ele produziu, financiou, desenvolveu e no qual faz o papel-título: a história de um ex-lutador de boxe que se tornou padre em circunstâncias extraordinárias.
“Eu me encantei com a vida dele”, conta Wahlberg. “Era uma pessoa complicada, com problemas, um lutador, um jogador de futebol (americano) e enfim achou sua vocação. É algo que me tocou profundamente.”
Wahlberg tomou conhecimento da história de Stuart Long quando um dos padres da sua paróquia – em Beverly Hills, onde mora – o reconheceu num restaurante do bairro e puxou conversa com ele sobre “Father Stu” e a possibilidade de fazer um filme. “Parece piada: um padre me dá uma ideia num restaurante. Mas foi assim mesmo”, ele ri.
Stuart Long nasceu em 1963 numa família pobre em Seattle, num ambiente violento e repleto de problemas de drogas e alcoolismo. Depois de se mudar para Los Angeles em busca de trabalho na indústria do entretenimento, em 1992, Stuart sofreu um acidente de motocicleta que o deixou à beira da morte, e o levou não apenas a uma fé religiosa, mas ao desejo de ser padre. Alguns anos depois, já no seminário, Stu foi diagnosticado com uma doença neurológica incurável — e mesmo assim foi adiante, recebendo as ordens e servindo à comunidade católica de uma reserva indígena, até morrer em 2014, aos 50 anos. Dois anos depois, Wahlberg anunciou o início do projeto, com ele mesmo não apenas no papel principal, mas também como produtor:
“Eu me identifiquei com Stu em muitas coisas. Passei minha vida procurando a minha vocação, e finalmente achei que seria o cinema. Mas, depois de saber a história de Stu, minha vocação se ampliou. Minha fé se tornou mais forte e mais ampla, e agora me sinto com a tarefa de usar minha plataforma, o cinema, para continuar o trabalho de Deus. O filme faz um ótimo trabalho de inspirar quem vê a pensar no que pode fazer pelos outros.”
O ator-produtor-homem de negócios (dono de oito empresas, incluindo suas duas produtoras) está empolgado com as possibilidades de unir seu fervor religioso com seus projetos. Em breve, ele conta, estará no ar o aplicativo Halo, uma plataforma que exibirá apenas conteúdo de temática religiosa.
“Será uma plataforma muito especial”, conta, animado. “Será dedicada a oração e meditação, voltada para ajudar as pessoas. Quero trazer um componente visual de fé, com muitas coisas legais. Quero fazer filmes, curtas, séries, achar novas histórias, novos realizadores, jovens cineastas. Quero dar oportunidades como a de Rosalind (Ross), nossa diretora em ‘Father Stu’: foi seu primeiro filme.”
Modelo de cuecas
Wahlberg – o mais novo de oito filhos – nasceu em Dorchester, Massachusetts, numa família irlandesa fervorosamente católica. Sua juventude não foi muito diferente da de Stu: preso por causa de brigas de rua e inseguro do caminho que queria tomar com break dance num grupo vocal, o New Kids on the Block, em temporada que durou pouco. A passagem primeiro para a TV e aos poucos para o cinema (sem contar dois anos como modelo das cuecas Calvin Klein) teve uma virada importante com seu papel em “Boogie Nights”, de Paul Thomas Anderson, em 1996.
Estabelecido como ator, em Los Angeles – e pai de quatro filhos, duas meninas e dois meninos –, Wahlberg admite que o retorno à fé de sua família se deve a vários acidentes dos quais escapou. O que mais o impactou: ter assentos reservados em um dos voos do dia 11 de setembro de 2001 de Los Angeles para Nova York que iriam ser vítimas do ataque terrorista – e cancelar na véspera.
“Quero fazer mais que ser ator”, ele conta. “Eu gosto, mas sendo ator não se tem controle. Às vezes, gosto. Ficar sentado no meu trailer vendo as horas passarem e não tendo que me importar com os problemas que estão acontecendo, com o dinheiro que tem que ser controlado. Eu poderia sair do trailer, levantar a cabeça e dizer como eu resolveria os problemas e como pouparia o dinheiro, no entanto, às vezes prefiro ficar quieto. Mas, com filmes que me tocam, material que me empolga, eu sempre sonhei ser produtor. Como ator eu sempre tinha que pensar na hora em que o Brad Pitt ia dizer não para um papel e talvez eu fosse chamado. Aos poucos, passei a focar minha atenção no controle do meu destino, no meu desejo de realizar as coisas que são importantes para mim.”