Ícone do site Jornal O Sul

Fascínio e medo: as duas faces da linguagem generativa

Como todo avanço disruptivo, caberá ao homem encaminhar tais inovações como ferramentas ou armas.(Foto: Divulgação)

Poucas vezes é oferecido ao homem o privilégio de ser contemporâneo de alguma tecnologia disruptiva que tenha grande impacto sobre a humanidade. Desde a domesticação de plantas e animais, embrião dos assentamentos permanentes e de comunidades mais complexas como as cidades, o desenvolvimento da civilização avança numa espécie de “moto perpétuo” inovativo que nos acompanha. Na extensa lista dos maiores engenhos humanos, a criação da prensa móvel por Johannes Gutenberg, que revolucionou as comunicações, se junta a descobertas do porte da energia elétrica e nuclear, sendo a Imprensa, por seu turno, a precursora de uma revolução mais recente, a Internet, cujo domínio e abrangência remodelaram o mundo tal qual o conhecíamos. Esse ciclo evolutivo desemboca agora na Inteligência Artificial – IA, com a combinação de algoritmos que permitirá uma evolução exponencial do conhecimento e das possibilidades humanas, evento fascinante, mas também tenebroso, conforme denotam as primeiras avaliações do ChatGPT, do Bing e do Bard, modelos de linguagem generativa que colocaram o Vale do Silício de cabeça para baixo, a ponto de Bill Gates declarar ser essa uma invenção do nível da descoberta da energia atômica.

Como em toda a inovação de largo espectro, a Inteligência Artificial e tudo o que dela deriva, não ficam isentos de serem recebidos com cautela e até mesmo temor, consoante se pode depreender ouvindo o historiador israelense Yuval Harari, para quem a inteligência artificial, juntamente com o risco nuclear e ambiental, configuram-se nos maiores desafios da sociedade moderna. Um dos riscos, segundo especialistas na área, é a capacidade da inteligência artificial se autodesenvolver, ou seja, aprimorar-se por si mesma, sem o controle humano, o que poderia ensejar ameaças reais ainda difíceis de prever, mas que já provocam a necessidade de algum tipo de atenção e regulação estatal. Contudo, frear o ritmo das atuais mudanças no setor da inteligência artificial parece um esforço inútil. O que vemos é um descolamento brutal entre o estoque de conhecimento existente e nossa capacidade para absorvê-lo, como se, para nosso completo espanto, um inesgotável acervo de informações passasse a dialogar consigo mesmo, sem que saibamos exatamente sobre quais assuntos e com que intenções isso esteja ocorrendo.

Por outro lado, a par dos perigos dessa nova tecnologia, emerge um horizonte riquíssimo em possibilidades, em praticamente todos os setores demandantes de conhecimento, com ênfase para as áreas de pesquisa avançada, no mundo do trabalho, na medicina, na educação, na segurança pública, no direito, na comunicação e em diversas outras áreas. Tudo isso acontece, não fruto de um único evento, como no surgimento do motor a vapor, por exemplo, mas pelo efeito catalisador da extraordinária combinação e integração de saberes em altíssima escala que a inteligência algorítmica promete entregar, provocando uma aguda inflexão na forma como trabalhamos, governamos, gerimos, colaboramos e vivemos. Essa aceleração do conhecimento, numa velocidade inédita, pode sim, para os mais otimistas, descortinar um horizonte advindo das metatecnologias emergentes que signifique um real avanço para a humanidade.

Contudo, como todo avanço disruptivo, caberá ao homem encaminhar tais inovações como ferramentas ou armas. É sabido também que, apesar de causar fascínio e medo, quase em igual medida, inovações radicais mexem com o nosso imaginário, particularmente sobre os limites dessa nova tecnologia frente a nossa condição humana, de seres conscientes, com alma, coisa que ainda parece inalcançável, inclusive para a mais arrojada linguagem generativa. Estando certo o Imperador filósofo Marco Aurélio, o poder da nossa mente estaria unicamente limitado por nós mesmos, o que nos permite conjecturar que, mesmo a mais evoluída tecnologia produzida pelo homem, não será capturada sem a nossa aquiescência, o que parece reconfortante diante de tão monumentais avanços científicos de nossa época.

Edson Bündchen

Sair da versão mobile