Domingo, 17 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 23 de março de 2019
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
George Simenon escrevia romances policiais pra lá de instigantes. O segredo dele: “Livro-me de todo vocábulo que está na frase só para enfeitar… ou atrapalhar”. O homem faxinava o texto. Cortava palavras.
Quais? Seu e sua. Eles são aparentemente inofensivos. Mas causam senhores estragos. Sabe por quê? Às vezes, dão duplo sentido à declaração. Acontece, então, o que Mário Quintana sintetizou: “Você pensa uma coisa. Escreve outra. A pessoa entende outra. E a coisa propriamente dita desconfia que não foi dita”. Veja:
O presidente garantiu aos parlamentares que o seu esforço levaria à aprovação da reforma.
Esforço de quem? Dos parlamentares? Do presidente? A frase é ambígua. Permite dupla leitura. O que fazer? Partir para o troca-troca. Substituir o possessivo pelo pronome dele:
O presidente garantiu aos parlamentares que o esforço dele (ou deles) levaria à aprovação da emenda.
Por falar nisso…
Certas palavras rejeitam o possessivo. Aproximá-los é briga certa. Gente boa, evite confusões. Não o use com:
Dica: em 90% dos casos, o possessivo sobra. Xô! Assim: Paulo fez a (sua) redação. Pegou o (seu) carro. Perdeu as (suas) chaves.
É isso. Escrever é cortar. Ou trocar.
Ser natural é…
Escolher palavras simples e curtas. Em vez de unicamente, use só. Em lugar de falecer, prefira morrer. Substitua féretro por caixão. Obviamente por é claro. Morosidade por lentidão. Causídico por advogado.
S ou z?
A professora fazia um teste com os alunos da segunda série. Pergunta vai, pergunta vem, chegou a vez de Maria:
— Maria, arroz é com s ou com z?
— Aqui na escola, eu não sei. Na minha casa, arroz é com feijão.
Tanto faz
Ter que? Ter de? Tanto faz. Elas são irmãzinhas gêmeas. No português moderno, não há diferença entre uma e outra. Ambas indicam obrigação de fazer alguma coisa: Tenho de (que) acordar cedo.
Fato e possibilidade
A diferença entre história e literatura? Aristóteles responde: “O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso (pois se a obra de Heródoto houvesse sido composta em verso, nem por isso deixaria de ser obra de história, figurando ou não o metro nela). Diferem entre si porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido”.
Etc.
Etc. tem ponto no final? Tem. Coincide com o ponto no fim da frase? Sem problema. Fique com um só: Comprei laranja, banana, maçã, pêssego etc. (A vírgula antes do etc. é facultativa.)
Que tal mandar o trio pras cucuias? Há um jeito. Não use o e entre o penúltimo e o último termo da enumeração. A ausência da conjunção significa etc. Veja: Gosto de cinema, teatro, música.
Leitor pergunta
O dito popular “o hábito faz o monge” não me sai da cabeça. Afinal, que hábito é esse? O de vestir? Ou o uso habitual? — Josie Avelar, Porto Alegre.
Quando nasceu, o provérbio tinha sentido contrário do atual. Naqueles tempos idos e vividos, o hábito não fazia o monge. Tradução: as pessoas não devem ser julgadas só pela aparência, mas também por seus atos e condutas. Tempos depois, ganhou versão contrária. O responsável? Nosso José de Alencar.
Em 1854, no folhetim Ao correr da pena, o cearense escreveu: “Hoje, apesar do rifão antigo, todo o mundo entende que o hábito faz o monge. Vista alguém uma calça velha e uma casaca de cotovelos roídos. Embora seja o homem mais relacionado do Rio, passará incógnito e invisível”.
Moral da história: a bela plumagem faz os pássaros belos.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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