Referência do design brasileiro, o arquiteto Fernando Campana, que morreu aos 61 anos em São Paulo, deixa um legado inspirador e disruptivo para as novas gerações na criação de móveis e objetos inusitados ao lado do irmão mais velho, Humberto.
Nascido em Brotas, no interior de São Paulo, Fernando formou-se em Arquitetura pelo Unicentro Belas Artes de São Paulo. Fundou, em 1984, o Estúdio Campana, alcançando reconhecimento internacional pelo design de mobiliário e peças criativas e disruptivas. Ele e Humberto, que é formado em Direito, são conhecidos por usar objetos do cotidiano na criação de móveis.
Desde 1992, o estúdio fica em Santa Cecília, bairro central da capital paulista, e foi o primeiro projeto de arquitetura que Fernando assinou. “Eu nunca quis ser arquiteto. Nós dois escolhemos nossas profissões por pressão da ditadura. Eu queria ser ator, cantor. Considero arquitetura um perrengue. Se você erra, não dá para consertar. Uma cadeira você troca a perna. Em uma construção, tem que demolir. Aceitei poucos projetos, um deles é o Cafe Campana, no Museu d’Orsay, em Paris.”
Com obras feitas sempre à quatro mãos, Fernando e Humberto entraram em coleções de museus pelo mundo: no MoMA de Nova York, no Pompidou de Paris, no Design Museum de Londres, no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio e tantos outros. Em entrevista exclusiva à ELA em 2020, eles falaram sobre sua arte e inspirações quando armaram a exposição “Irmãos Campana — 35 revoluções”, no Rio de Janeiro.
Na ocasião, Fernando explicou como acontece o seu processo de criação. “Durmo a qualquer hora. Nada me angustia. Isso passa pelo tocar, adoro ir à Feira da Madrugada e à Rua 25 de Março, em São Paulo, mexer em objetos. Me inspiro assistindo ao canal Animal Planet, curto aquela vozinha falando sobre as migrações das aves. Diferentemente do Humberto, eu gosto de ficar na zona de conforto.”
Bastante diferentes fisicamente, a personalidade de Fernando também era oposta à de Humberto. E a famosa Poltrona Vermelha, uma das peças mais icônicas da dupla, criada em 1993, retrata bem essa diferença.
Quem começou a criação da peça foi Humberto, que pegou quase 500 metros de corda e fez uma trama bem juntinha. Fernando, por sua vez, sugeriu que os fios estivessem mais soltos. “E ficou muito mais bonita. O Fernando tem muitas ideias. Já eu adoro o trabalho manual, o processo do feito à mão. Sou um artesão”, contou Humberto, à época.
Em 2013, os irmãos foram eleitos pela revista Forbes como duas das 100 personalidades brasileiras mais influentes do mundo. Além disso, Fernando recebeu a Ordem do Mérito Cultural em Brasília e a Ordem das Artes e Letras pelo Ministério da Cultura da França.
Quatro anos antes, em 2009, a dupla criou o Instituto Campana, buscando preservar o legado e investir em programas socioeducativos. E o tom político permeia toda a carreira da dupla.
“Tentamos passar uma mensagem em todas as peças. Ela pode vir através do material, do respeito ao meio ambiente ou do resgate de tradições que estão em vias de desaparecer. Além disso, trabalhamos com ONGs, com pessoas em reabilitação e escolas. Nosso desejo é ajudar a diminuir o abismo social no país”, explicou Fernando.
Foram os irmãos Campana também que acabaram com a fama de que os designers brasileiros não criavam, apenas copiavam os gringos. “Acho que conseguimos abrir uma brecha e mostrar um novo Brasil”, comentou Fernando.
Eles entenderam que ficaram famosos em 1998, quando abriram uma exposição no MoMA, em Nova York, ao lado do artista alemão Ingo Maurer (1932-2019). A partir daí, suas obras deram um boom e marcas como Lacoste, Louis Vuitton, Fendi e Alessi lançaram itens assinados por eles.
A turma do mundo pop, como Karl Lagerfeld (1933-2019), Lady Gaga e Kylie Jenner, também já foi seduzida pelas criações dos meninos do interior de São Paulo. Filhos de um agrônomo com uma professora primária, ambos garantem que continuam os mesmos. “Eu continuo até falando caipira, vou para Brotas no fim de semana, não tenho afetação”, disse Fernando.
A causa da morte de Fernando não foi divulgada. Apenas um comunicado foi postado no perfil do Estúdio Campana no Instagram.
“É com profunda tristeza que comunicamos o falecimento de Fernando Campana hoje, dia 16 de novembro, em São Paulo. Agradecemos a solidariedade de todos e pedimos que respeitem a privacidade da família neste momento”.
O perfil Salone del Mobile de Milão, o mais importante do mundo na área, também compartilhou uma mensagem de pesar nas redes sociais. “Estamos com a família Estúdio Campana e compartilhamos do seu luto. Em 2021, o salão teve a oportunidade de entrevistá-los e perguntar sobre sua missão no design: liberdade criativa para um design consciente. Através das suas palavras, esperamos poder prestar uma homenagem ao seu impacto eterno ao mundo do design”, dizia o texto.