A reforma ministerial, desenhada sob pressão para acomodar o Centrão no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem colocado o cargo de Ana Moser, ministra do Esporte, em xeque.
Entretanto, a medalhista olímpica do vôlei usa sua resiliência de ex-atleta para manter o foco dentro da sua pasta. Moser se encontra mais preocupada em retomar pontos vetados na Lei Geral do Esporte como também introduzir a mulher na cultura do futebol do Brasil.
Tanto no campo, com melhores condições às atletas, como em cargos executivos, majoritariamente ocupado por homens. A ministra concedeu entrevista para O Globo. Confira abaixo.
Como está lidando com a pressão por uma reforma ministerial e interesse de partidos do centrão no Ministério do Esporte?
Não é clichê, é a real. Estou aqui por um convite do Lula. E se o presidente quiser, terá o lugar de volta. É a escolha dele e isso não tem discussão. Ponto final. Todo o resto é muito externo ao Ministério, fora do nosso dia a dia. O que nos dá muitas vezes desgaste é reiteradamente responder sobre a pressão. É disso que é feito esse barulho. O que temos que fazer é continuar trabalhando.
Por que acha que o Esporte entrou nessa “negociação”?
O Esporte é um ministério que tem capilaridade, tem eleições municipais ano que vem e é uma presença importante, né? E porque eu não tenho um vínculo partidário. A questão, também, é que muitas vezes é mais fácil tirar a mulher do que o homem. Numa estratégia que é importante incluir mulheres nesses lugares, com certeza. Mas se é um ambiente tradicionalmente masculino, fica mais fácil tirar a mulher do que o homem. Tem vários fatores aí, a força do Congresso frente ao Executivo…
Para você foi uma novidade chegar nesse mundo político, com essas articulações?
A gente briga por lugar a vida inteira, né? Só muda o tema, mas o processo é o mesmo. O esporte também é muito masculino, é exatamente assim. Qual é o lugar que tem mulher dentro do esporte? Estou dizendo fora da quadra. No esporte e vários setores da sociedade, a presença em posições de liderança é muito masculina.
O Esporte iniciou o movimento #EuAbraçoAnaMoser, o Esporte não é base de troca. Depois da pasta ter perdido status de ministério e ter voltado a ter relevância, o que significaria esta troca?
Quando fui chamada para assumir o ministério perguntei: “Tem certeza?”. Porque minha postura é de priorizar o esporte para todos. Passei mais de 20 anos falando isso. Tem sido uma guerra de influência e de poder. Dá para trocar aqui porque… (o Esporte) não é tão importante, né? Acho que está na hora do Esporte dar este salto. Essa é a chance do Esporte dar este salto. E o apoio da comunidade esportiva é um apoio para esta casa. E acho que tem ajudado bastante o Esporte a manter sua relevância. É fácil o discurso sobre a importância do esporte, mas na prática… é muito mais discurso do que trabalho em ações estratégicas junto à educação e à saúde. Essas parcerias ainda não se consolidaram.
Destas parcerias que o ministério tem buscado, qual a que você considera a que teve maior avanço, qual a sua maior conquista?
Ainda não chegou esta grande conquista que seria a amarração com a cultura, educação, saúde e assistência social. Mas vai acontecer. O que a gente já conquistou, deu um primeiro passo porque ainda tem muito chão, diz respeito ao futebol feminino. A grande cultura desportiva do Brasil é o futebol, só que é 100% masculino. Quem esteve na Austrália e na Nova Zelândia viu in loco um processo intencional do poder público no desenvolvimento do futebol feminino. Em março foi assinado um decreto pelo presidente para desenvolver essa estratégia e realizamos um diagnóstico.
Qual foi o diagnóstico?
São menos de 20% de mulheres nos projetos financiados. E quando se olha para o setor é uma informalidade: 70% das profissionais têm dupla jornada. Só 19% das atletas adultas são contratadas (várias formas), o resto não recebe. A estratégia para avançar é uma articulação com a CBF, federações e clubes para melhorar o calendário, que seja o ano inteiro; melhorar as relações de contratação, limitar número de atletas amadoras nos clubes, e outras. Além disso, teremos um projeto de lei que já está pronto que vai pautar essas questões no Congresso. E pautar isso no Congresso tem toda uma simbologia.
No caso do futebol feminino, o alto rendimento não pode ser um puxador?
Sim, por isso a Copa do Mundo aqui, em 2027. É um grande evento que não terá grande investimento do Brasil. As sedes estão prontas. Não é para ser uma Copa para gastar dinheiro e sim uma Copa para ter legado. Só que é em 2027 e essa Copa precisa deixar um legado para o futebol feminino antes. Essa é a estratégia. A Copa será a culminância desse processo.
Qual foi a maior conquista da Lei Geral do Esporte?
A maior conquista é ter estruturado o sistema, com a perspectiva das responsabilidades da federação, dos estados e dos municípios. Não está completa ainda, porque algumas coisas tiveram que ser vetadas e vão ser complementadas com novos projetos de lei e regulamentação no próximo mês. O prazo era 90 dias e está fechando agora em setembro. A estrutura conta com o fundo nacional, o conselho e plano nacional para ser replicada por estados e por municípios, que vão aderir ao sistema. É diferente de tudo que já teve até hoje. Vamos ter um sistema como tem a educação, a saúde, a assistência social e a cultura. Mas tem que ser complementada com o plano nacional, ou só se tem o esboço do esqueleto, mas não o plano nem a implantação. O fundo não saiu, mas vai sair. Nós já temos 3% das bets que vão para o fundo. Se não tiver, vão para o orçamento. É todo um movimento para formalizar o esporte, mas precisa ter uma estrutura.