Polêmicas foram constantes na vida de Daniel Snyder ao longo dos 24 anos em que ele foi dono do Washington Commanders, time de futebol americano. Agora, ele entrou em outro tipo de disputa: a Kinematics, produtora da qual é financiador, tenta barrar o lançamento nos Estados Unidos de um filme sobre Donald Trump.
O Aprendiz, docudrama sobre os anos de Trump como magnata do setor imobiliário de Nova York, estreou no Festival de Cannes, em maio, e se concentra na relação de Trump com o contraventor Roy Cohn, que, de acordo com o longa, ensinou a Trump a cartilha política que ele usa até hoje.
Mas, até agora, o filme – que traz uma acusação de estupro feita por Ivana Trump, que ela depois desmentiu – não conseguiu uma distribuidora americana. A demora é notável porque, a julgar pelo sucesso da estreia e pela intensa cobertura da mídia, o interesse em O Aprendiz é grande – e seu lançamento em ano de eleições seria crucial para o sucesso nas bilheterias.
E, para complicar a situação, existe a possibilidade de um processo por difamação por parte de Trump, ameaça feita por ele após a estreia do filme. Vários estúdios importantes, como Apple, Amazon e Netflix, já se recusaram a distribuir O Aprendiz.
Acordo
O filme conseguiu uma parceira interessada nos EUA: a distribuidora independente Briarcliff. Mas o acordo está parado, dizem pessoas próximas à produção, que falaram sob condição de anonimato, porque Snyder, sócio majoritário da Kinematics, não gostou do filme. Snyder e a Kinematics não quiseram fazer comentários para este artigo. “A lição é a seguinte: se você for criticar uma pessoa poderosa, é melhor ter outra pessoa poderosa que o proteja”, diz o diretor Ali Abbasi.
De acordo com uma pessoa próxima à Kinematics, as alegações não são verdadeiras. Não se trata de vetar um filme que critica Trump, diz ela, mas de uma produtora com objetivos financeiros diferentes dos de seus parceiros produtores e que está usando seu poder para negociar acordo melhor.
O Post soube que a Kinematics voltou à mesa de negociações e quer vender sua parte no projeto. A Kinematics é dirigida por Mark H. Rapaport, casado com Tiffanie, filha de Snyder. A empresa arcou com metade do orçamento de US$ 16 milhões de O Aprendiz e, como principal financiadora nos EUA, tem poder de veto sobre o acordo de distribuição no país.
“Parece que os distribuidores estão preocupados com o risco de Trump usar a força do governo contra eles. A lição é a seguinte: se você for criticar uma pessoa poderosa, é melhor ter outra pessoa poderosa que o proteja” Ali Abbasi Diretor de ‘O Aprendiz’
Os esforços dos outros produtores para tirá-la do negócio não tiveram sucesso e pessoas próximas à produção dizem que Snyder tem a palavra final e está segurando o acordo – Snyder doou US$ 1,1 milhão para o comitê presidencial de Trump e US$ 100 mil para a campanha de 2020.
Isento
Abbasi se reuniu pela primeira vez com Rapaport em Cannes, em 2023, quando os financiadores e a equipe criativa concordaram que valia a pena apressar o filme para submetêlo ao festival de 2024 e para garantir um lançamento antes da eleição presidencial. Rapaport teria assegurado a Snyder que o filme seria isento e justo.
O momento mais chocante do filme ocorre quando Trump estupra sua primeira esposa, Ivana. Ela fez a acusação de estupro sob juramento, mas depois esclareceu sua declaração, observando que ela não quisera dizer aquelas palavras. Ivana morreu em 2022.
Snyder viu de 20 a 30 minutos de um corte bruto do filme em março e “não gostou”. E pessoas próximas à produção dizem que suas impressões foram comunicadas por meio da Kinematics. O bilionário teria ficado “furioso” com o que considerou ser um retrato negativo de Trump, disse a Variety.
Outros conflitos entre os financiadores e equipe criativa surgiram pouco antes da estreia em Cannes, quando a Kinematics enviou uma carta aos outros produtores exigindo que a cena do estupro fosse removida, mencionando preocupações levantadas por seus advogados. Eles foram pegos de surpresa, porque a cena não estava no roteiro aprovado, então ficaram com medo das possíveis consequências legais. As pessoas envolvidas na produção dizem, no entanto, que a cena não pode ter sido uma surpresa: estava no roteiro aprovado previamente pela Kinematics.
Logo depois da estreia em Cannes vieram os acordos de distribuição na Europa e outra carta – dessa vez uma ordem de cessação dos advogados de Trump. A carta, analisada pelo Post, acusava os cineastas de “interferência estrangeira direta na eleição dos Estados Unidos” porque Abbasi é iraniano radicado na Dinamarca e o filme tinha fontes de financiamento no exterior.
Ninguém em Hollywood parece ter estômago para correr o risco de cair na ira do possível futuro presidente americano. A Briarcliff foi a única distribuidora independente a fazer uma oferta viável. Mas, de acordo com a pessoa familiarizada com as conversas, os financiadores acham que a proposta não é boa o bastante para garantir lucro. E se eles puderem esperar por uma oferta melhor, eles vão esperar.