Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 28 de dezembro de 2021
A extinção das varas especializadas em lavagem de dinheiro da Justiça Federal da 3ª Região (SP e MS) gerou divergências entre especialistas. Por um lado, há quem elogie a decisão, apontando que tais varas ficaram abarrotadas após a reforma legal de 2012 e estimulam o punitivismo. Por outro, tem quem avalie que as varas especializadas permitem um combate mais eficaz à lavagem de dinheiro.
Hoje, três varas têm competência exclusiva para julgar esse tipo de delito, das dez varas criminais federais em São Paulo. A partir de janeiro, nove das dez varas terão competência para julgar casos de lavagem de dinheiro, exceto a Vara de Execuções Penais, conforme o Provimento 49/2021 do Conselho da Justiça Federal da 3ª Região (SP e MS).
A juíza federal Raecler Baldresca, que liderou a comissão que ficou responsável por estudar a possibilidade e recomendar mudanças, disse ao site Jota que a alteração foi para “aumentar a eficiência das varas”. Segundo ela, as varas especializadas em lavagem receberam cerca 1/3 dos processos das outras. Ainda assim, a celeridade delas não era maior, nem o acervo era menor.
Para o criminalista Alberto Zacharias Toron, eleito conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, considera a medida positiva. Segundo ele, as varas especializadas cumpriram um papel relevante no passado, mas passaram a ficar abarrotadas a partir de 2012. Neste ano, a Lei 12.683/2012 alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) para considerar que qualquer crime pode ser antecedente da lavagem.
“Longe de contribuírem para o aperfeiçoamento da persecução penal, as varas especializadas acabaram travando os processos. Então, é de bom alvitre que todas as varas possam conhecer de todos os crimes, lembrando que a especialização é o Direito Penal, e todo crime antecedente pode ensejar lavagem de dinheiro”, opina Toron.
Com a reforma de 2012, o crime de lavagem de dinheiro pode estar ligado a toda e qualquer infração penal, o que vai de encontro a uma ideia de especialização, avalia o advogado Fábio Tofic Simantob.
“O crime antecedente vai ser julgado em uma vara diferente da especializada ou a especializada vai acabar julgando uma infinidade de crimes antecedentes à lavagem. Então não faz mais sentido essa ideia de especialização, e a resolução vem em boa hora”, declara o criminalista, ressaltando que as varas especializadas acabam se tornando “extremamente punitivistas”.
Nessa linha, o advogado Eduardo Carnelós destaca que a concentração de casos em uma ou poucas varas acaba por gerar a figura do “magistrado estrela, cujas consequências ruins temos visto com frequência: juízes que se consideram portadores de superpoderes, para os quais o ordenamento jurídico é um detalhe, quase sempre um estorvo, pois eles preferem usar suas próprias regras”.
“A tudo isso, soma-se a cobrança de setores sociais, inclusive de importantes parcelas do jornalismo, por mais punição, o que aumenta a pressão sobre os poucos juízes dessas varas especializadas. Quando o magistrado decide com base na lei e respeita as garantias de investigados e acusados, vira ele próprio alvo de sórdidas campanhas, que tentam nele pespegar a pecha de leniente com o crime”, diz Carnelós, para quem o ideal seria que juízes criminais fossem preparados para julgar qualquer tipo de processo.
“A mudança é positiva, pois tende a imprimir celeridade no andamento dos casos e a reduzir conflitos de competência”, afirma Tania Prado, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo.
Outro lado
Por outro lado, um juiz federal avaliou à revista ConJur que o fim das varas especializadas está em conflito com tratados internacionais de combate à lavagem de dinheiro, que preveem tal medida.
Ele também ressalta que agora competirá a todas as varas criminais a fiscalização do cumprimento dos acordos de não persecução penal nelas homologados. Anteriormente, essa fiscalização era feita pelas varas de execução penal. E que, com a mudança, as antigas varas de lavagem também serão competentes para julgar crimes de menor potencial ofensivo.
O procurador da República Vladimir Aras critica o fim da especialização. “Em qualquer setor da vida, especialmente os mais complexos, as especializações são benfazejas, seja na medicina, na engenharia ou no direito. Se a pessoa tem um nódulo na tireoide, não vai a um clínico geral. Quer um especialista em cabeça e pescoço.”
A seu ver, os problemas das varas especializadas, que são menores do que suas virtudes, podem ser resolvidos com salvaguardas adequadas de devido processo legal, regras claras de competência e orientações dos tribunais.
De acordo com Aras, a especialização tem sido apontada como uma boa prática para a organização judiciário e para o Ministério Público e aumenta a eficiência no enfrentamento da lavagem de dinheiro, da corrupção e do crime organizado.
O procurador menciona que diversos países, como França e Reino Unido, têm unidades especiais para tratar de crimes financeiros. As informações são da Revista Consultor Jurídico.