Segunda-feira, 06 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de janeiro de 2025
O anúncio de que o Disney Channel sairá a TV a cabo do Brasil a partir do dia 28 de fevereiro deixou uma geração de fãs em luto. No ar por aqui desde 2001, o canal já foi líder de audiência no segmento infanto-juvenil e lançou astros teens como Miley Cyrus, Selena Gomez, Demi Lovato, Zac Efron, Zendaya e, mais recentemente, Jenna Ortega, que continuaram se destacando como cantores e atores na idade adulta.
Hoje na faixa dos 20 e dos 30 anos, o público que pegou o auge do canal, com produções como “Hannah Montana”, “High School Musical” e “Sunny entre estrelas”, envelheceu junto com seus ídolos e ainda mantém um vínculo com eles. Mesmo para quem já não assistia ao canal com frequência, a decisão da Disney soou como o fim de uma era.
Durante a infância, o estudante de Economia Paulo Calixto Silva achava que seu destino era casar com Alex Russo, a personagem de Selena Gomez na série “Os feiticeiros de Waverly Place”, produzida entre 2007 e 2012. Também jurava que chegaria a sua vez de protagonizar a vinheta clássica da emissora, em que os ídolos da casa desenhavam o logo da Disney Channel na tela com uma espécie de caneta mágica.
Após fevereiro, as suas atrações favoritas do passado, como “Hannah Montana” e “Sunny e as estrelas”, continuarão disponíveis, como muitas outras que tiveram produção encerrada, no streaming da gigante do entretenimento americano, o Disney+. Ainda assim, o jovem de 22 anos sente uma espécie de vazio com o fim do canal a cabo.
“É triste porque essa geração do meu irmão mais novo, que tem 14 anos e não faz ideia de quem seja Hannah Montana, terá menos chance de conhecer os programas mais antigos”, diz Silva, que hoje já não sonha mais em pedir a mão de Selena Gomez, mas ainda assiste ocasionalmente aos programas com seu namorado. “Vai se criar um distanciamento ainda maior entre aquilo que eu vivi e aquilo que as novas gerações vão viver.”
Questão de identidade
Como lembra a pesquisadora Tatyane Larrubia, o canal seduzia os jovens com personagens que viviam os mesmos dilemas e desafios que eles — mas de forma “mágica e lúdica”. Em “Hannah Montana”, a adolescente interpretada por Miley Cyrus era uma garota comum do ensino médio que tinha uma vida secreta como popstar.
“Muita gente cresceu junto com os artistas e quando você vê quem você admira vivendo fatos corriqueiros do cotidiano do adolescente acaba criando uma relação de identificação”, diz a carioca, de 32 anos, PhD em comunicação e cultura pop. “O que tornava as produções do Disney Channel tão únicas para nós era a maneira como misturavam realidade e ficção. Muitas vezes, os atores tinham o mesmo nome dos personagens, e a gente ficava sem saber onde começava um e onde terminava outro. O personagem lançava uma música e você não sabia se ela era do artista ou do seriado.”
No auge da TV por assinatura, os principais canais disputavam a audiência investindo pesado em produções e astros. Nos anos 1990, a Disney teve entre suas crias ícones da cultura pop como Britney Spears, Christina Aguilera e Justin Timberlake, além do futuro indicado ao Oscar Ryan Gosling. Todos foram treinados desde cedo para cantar, dançar e atuar. Esse star system continuou forte nas duas primeiras décadas deste século, antes que a internet mudasse de vez o comportamento do público.
“A TV a cabo trouxe a possibilidade de segmentar o conteúdo para o público infanto-juvenil e foi nesse contexto que a Disney Channel surgiu”, explica Pedro Curi, coordenador do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-Rio e especialista em hábitos de consumo de fãs brasileiros de séries de TV. “Boa parte do público era atraído pelos ídolos formados pela emissora e pela garantia de que a qualquer hora haveria uma atração voltada para eles.”
Nas últimas duas décadas, o modelo de nicho dos canais a cabo sofreu gradativamente um revés com a chegada do streaming e dos sites de compartilhamento de vídeo, aponta Pedro Curi. Com o digital, veio junto uma hiper-segmentação que fragmentou o consumo.
“Hoje, esse modelo de canal a cabo voltado para os mais jovens não cabe mais no atual ecossistema de comunicação”, diz o pesquisador. “Creio que o grande desafio da Disney será trazer o público infanto-juvenil para a sua plataforma de streaming, onde não existe uma curadoria tão bem amarrada quanto na TV. Essa migração não acontece naturalmente.”