Os casos de fraude envolvendo planos de saúde encontraram uma nova fronteira: as coberturas odontológicas. Em busca de pagamentos por procedimentos não cobertos, os esquemas envolvem manipulação de exames, falsos diagnósticos e até clínicas de fachada para transformar em tratamentos de saúde bucal procedimentos estéticos, principalmente os de aplicação de botox, como harmonização facial.
Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 12 grandes grupos de planos de saúde do país, fraudes contra planos odontológicos não eram frequentes. Mas de dois anos para cá, até novembro de 2024, a entidade já registrou 21 denúncias de esquemas fraudulentos contra contratos do tipo.
O aumento dos casos acontece num cenário de aumento no número de especialistas. Dados do Conselho Federal de Odontologia (CFO) mostram que, em 2024, eram 4.012 cirurgiões-dentistas especialistas em harmonização orofacial no país, patamar 150% acima do registrado em 2022.
Os golpes tomam como alvo um mercado que se expande. Com 34 milhões de usuários, os contratos de cobertura odontológica são os que mais crescem. Enquanto os planos médico-hospitalares aumentaram em 1,5% o número de usuários — saindo de 50,6 milhões para 51,4 milhões de vidas entre setembro de 2023 e setembro do ano passado —, as carteiras exclusivamente odontológicas cresceram em 7,5%.
Laudos idênticos
Alguns dos casos denunciados pelas operadoras às autoridades ilustram como os esquemas funcionam. Em São Paulo, um plano de saúde suspeitou após receber pedidos de reembolso de 20 beneficiários com laudos idênticos elaborados pelas mesmas profissionais, uma dentista e uma médica.
O diagnóstico de distonia oromandibular — doença neuromuscular que causa contrações involuntárias dos músculos da boca — apareceu em todos os laudos, com a mesma indicação de tratamento: a aplicação de toxina botulínica, o botox, nas mesmas quantidades e nos mesmos pontos do rosto.
As peculiaridades acenderam um sinal de alerta para a operadora de que os diagnósticos foram fraudados, numa tentativa de conseguir a liberação dos reembolsos para custear tratamentos estéticos, que não têm cobertura. O caso foi endereçado ao Ministério Público (MP-SP).
Falsos coletivos
No interior da Bahia, a denúncia envolvia duas dentistas que teriam recebido valores acima do normal por próteses dentárias. Segundo a FenaSaúde, as três clínicas das duas profissionais ofereciam a pacientes humildes procedimentos de alto custo e não cobertos pelos planos.
Elas orientavam que os pacientes buscassem uma corretora para a contratação de um novo plano que cobrisse o atendimento. A tal corretora teria parentesco com uma das próprias dentistas. Ela incluía esses pacientes em um plano de saúde coletivo, a partir da criação de um falso vínculo empregatício com empresas cujos sócios também pertenciam ao grupo familiar. O caso também foi encaminhado ao Ministério Público (MP-BA).
A tática dos falsos planos coletivos foi também detectada no Amapá, onde uma clínica odontológica usou dados de dentistas ex-associados como responsáveis técnicos de outras clínicas de fachada. Pedidos de reembolso de procedimentos supostamente realizados nos estabelecimentos foram feitos a uma operadora de planos.
O esquema acontecia em parceria com uma corretora, que incluía usuários nos planos como funcionários de sete empresas, mas os vínculos apresentaram indício de fraude. O Ministério Público do Amapá (MP-AP) pediu a abertura de uma investigação policial sobre o caso.
Conselho de Odontologia repudia infração
Em nota, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) afirmou repudiar qualquer infração de conduta profissional e que orienta os conselhos regionais para que realizem a apuração de casos denunciados, além de cooperar com as autoridades.
“A Harmonização Orofacial é uma especialidade importante da Odontologia, cujo crescimento atesta a alta demanda de pacientes pelos diversos tipos de tratamentos englobados nela, seja para fins funcionais ou estéticos. O CFO lamenta que casos isolados possam, de alguma forma, macular a imagem da grande maioria dos profissionais, que atua com seriedade e a partir dos princípios éticos de exercício da profissão”, diz o texto.
Plano mais caro e risco no emprego
Alguns dos métodos aplicados contra os planos odontológicos já são velhos conhecidos das operadoras nos esquemas que tentam fraudar os contratos médico-hospitalares. É o caso de cobranças por procedimentos não realizados, manipulação de exames de imagem e empresas de fachada.
“Reembolso assistido”
Os pedidos de reembolso são o principal alvo das fraudes. Na prática mais comum, há o chamado “reembolso assistido”, quando a clínica se oferece para “agilizar” a liberação de ressarcimentos. Os tratamentos são oferecidos “sem custo”, para pagamento só após a liberação dos valores pela operadora. Para isso, o cliente precisa informar seu login e senha do plano de saúde, mas, em muitos casos, procedimentos não realizados ou superfaturados são incluídos no pedido.
O usuário que participa de prática fraudulenta corre o risco de ser incluído em inquérito policial ou processo judicial. E pode ainda ter o plano cancelado. As informações são do Portal O Globo.