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Fraude usa terras públicas na Amazônia para vender créditos de carbono a gigantes multinacionais

Comunidade ribeirinha onde foram vendidos créditos de carbono. (Foto: Reprodução)

Cinco empresas brasileiras e três estrangeiras (uma norte-americana, uma canadense e uma britânica) usaram terras públicas na Amazônia para lucrar, de forma irregular, com a venda de créditos de carbono para gigantes multinacionais, segundo a Defensoria Pública do Estado do Pará.

Os casos foram levados à Justiça pela própria Defensoria Pública do estado, que entrou com três ações civis públicas na Vara Agrária de Castanhal contra os envolvidos em três projetos de crédito de carbono, localizados na área rural de Portel.

Com 62,4 mil habitantes, Portel é um município onde vivem populações ribeirinhas. Fica a 13 horas de barco de Belém, a 263 km da capital, e é cortado pelas águas de diferentes rios do arquipélago do Marajó.

Entre as multinacionais, estão empresas mundialmente conhecidas, como farmacêuticas, companhias aéreas e até um clube de futebol da Inglaterra. Elas compraram esses créditos para compensar as próprias emissões de gases do efeito estufa. As compras foram feitas de modo legal, na maior certificadora de venda de créditos de carbono no mundo, a Verra, sem indicativos de que poderia haver problemas nos créditos.

As multinacionais não são alvo das ações da Defensoria Pública. Os processos são contra as empresas que geraram os créditos de carbono. As multinacionais alegam, de forma geral, que não tinham conhecimento das irregularidades apontadas pela Defensoria.

Grilagem de terras

A Defensoria do Pará aponta três problemas com os projetos:

1. Os responsáveis dizem que os projetos estão em propriedades particulares, mas, na verdade, eles estão localizados em terras públicas estaduais.
2. Como estão em terras públicas, esses projetos precisavam ter tido alguma autorização dos órgãos do governo local, o que não aconteceu.
3. As comunidades ribeirinhas, que vivem em assentamentos agroextrativistas, demarcados pelo governo do Pará, deveriam ter sido consultadas sobre esses projetos, para dizer se concordavam ou não com eles. Segundo a Defensoria e ribeirinhos, isso também não aconteceu.
4. As ações da Defensoria mostram que atores privados estão ganhando dinheiro com terras públicas de floresta, mas sem a permissão do estado ou qualquer retorno para as famílias da região.

Para o órgão, trata-se de grilagem de terras públicas, já que as empresas responsáveis pelos projetos se valeram de matrículas imobiliárias e de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) inválidos para alegar à maior certificadora internacional de crédito de carbono que as áreas eram de propriedade privada.

“Trata-se de uma prática ilícita realizada pelos requeridos […] para se beneficiarem de área de floresta pública de posse das comunidades tradicionais”, dizem as ações.

O Ministério Público do Pará também passou a acompanhar os casos por um procedimento extrajudicial. Com base nas ações da Defensoria em Portel, o MP do Pará e o Ministério Público Federal emitiram, em julho, uma nota técnica sobre o assunto.

Localização

Parte das áreas dos projetos está sobreposta a cinco assentamentos dos chamados Projetos Estaduais Agroextrativistas (PEAEX).

São terras públicas estaduais já tituladas pelo governo estadual, onde vivem pelo menos 1.484 famílias ribeirinhas em comunidades dispostas ao longo das margens dos rios. No total, os cinco assentamentos somam mais de 3,3 mil km2 (o dobro da área da cidade de São Paulo) de florestas públicas.

“Um dos questionamentos que fazíamos era sobre quem financiava o projeto. E eles [representantes das empresas] não quiseram dizer. Também não disseram quem era o coordenador, o dono da empresa. Só diziam ser uma ONG”, conta Gracionice Silva, hoje presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Alto Pacajá, que representa um dos assentamentos.

Indenização

Nas ações, a Defensoria pede que:

1. Seja assegurado o direito ao território das comunidades dos cinco assentamentos estaduais;
2. Seja reconhecida a invalidade dos projetos de crédito de carbono e todos os negócios deles decorrentes;
3. Seja impedida a entrada dos responsáveis pelos projetos nos assentamentos;
4. Pagamento de indenização moral por danos coletivos no valor de R$ 5 milhões por ação judicial.

Duas das três ações também são contra o município de Portel. A Defensoria requer a nulidade de dois decretos editados pelo prefeito local, que autorizou as empresas privadas a realizarem construções dentro dos assentamentos.

A administração municipal afirma que esses dois decretos já foram revogados e que só apoia um quarto projeto de crédito de carbono. Esse quarto projeto ainda não foi registrado por nenhuma certificadora internacional e, portanto, não comercializa créditos. Ele também é alvo de uma quarta ação da Defensoria.

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