Sábado, 21 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 25 de abril de 2024
Fugir correndo repentinamente ao avistar policiais é motivo justo para autorizar a revista pessoal em via pública. A prova desse motivo, por ser amparada apenas na palavra dos policiais, deve ser submetida a especial escrutínio.
Essa foi a conclusão unânime da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao denegar a ordem em Habeas Corpus de um homem condenado por tráfico de drogas porque foi pego com entorpecentes após fugir para um terreno baldio ao notar a presença de policiais em patrulhamento.
O resultado representa uma leve correção de rumo em relação à jurisprudência sobre o tema. A ideia continua a de evitar que policiais tenham salvo-condutos para que façam abordagens exploratórias e aleatórias.
A exigência mais firme de fundadas razões para a busca pessoal foi afirmada pela 6ª Turma em 2022 e corroborada pela 5ª Turma. Ao aplicar o precedente, o tribunal passou a anular ações decorrentes de denúncia anônima, intuição policial ou mesmo em abordagens “de rotina”.
Aos poucos, no entanto, foi-se percebendo a necessidade de flexibilizar esse entendimento para não limitar a atuação policial, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico. A 5ª Turma liderou esse movimento, que também encontrou eco na 6ª Turma.
O resultado do julgamento na 3ª Seção indica que uma coesão foi alcançada. Fugir ao ver a viatura justifica a abordagem, mas essa motivação será analisada com cuidado para evitar narrativas inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos.
“Trata-se, portanto, de abandonar a cômoda e antiga prática de atribuir caráter quase que inquestionável a depoimentos prestados por policiais, como se fossem absolutamente imunes à possibilidade de desviar-se da verdade”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti.
“Se a defesa alega que o réu não fugiu, que andava normalmente ou que fugiu para escapar de uma abordagem violenta, o ônus da prova transfere-se para o Ministério Público. Ainda mais pelo fato de que, hoje em dia, temos meios e tecnologia para fazer o acompanhamento dessas ações”, concordou o ministro Sebastião Reis Júnior.
Intuição possível
Para o ministro Rogerio Schietti, é possível que os policiais, em virtude da experiência prática adquirida durante anos no trabalho nas ruas, possam ter uma certa “intuição” sobre algumas situações.
Ainda assim, não é possível que o policial adote medidas restritivas de direitos fundamentais com base somente na sua intuição ou impressão subjetiva.
Nesse sentido, a fuga correndo se difere de outras situações mais sutis, como um simples desvio de olhar, o ato de levantar-se ou de andar em outra direção e outros comportamentos que podem ser explicados por uma infinidade de razões.
“A fuga, porém, se distingue por representar atitude intensa, nítida e ostensiva, dificilmente confundível com uma mera reação corporal natural”, apontou Schietti.
Por isso a necessidade de um especial escrutínio, já que há a possibilidade de que se criem discursos ou narrativas dos fatos para legitimar a diligência policial.
“Não é possível argumentar que uma busca (fato anterior) é válida porque o réu foi preso (fato posterior) e, ao mesmo tempo, dizer que a prisão (fato posterior) é válida porque a busca (fato anterior) encontrou drogas”, apontou.
“Se havia fundada suspeita de posse de corpo de delito, a ação policial é legal, mesmo que o indivíduo seja inocente; se não havia, a ação é ilegal, ainda que o indivíduo seja culpado”, complementou.
Invasão domiciliar
Em seu voto, o ministro Rogerio Schietti faz uma diferenciação da situação em que a fuga do suspeito gera invasão do domicílio dele por policiais e quando gera “apenas” a abordagem pessoal. Ela é importante porque a mesma lógica vinha sendo usada em ambas as situações.
A invasão da casa de alguém sem autorização judicial é possível, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, mas o STJ tem tratado com bastante rigor a definição de em quais situações é justificada e válida.
Para Schietti, fugir ao ver a guarnição policial não justifica a invasão de domicílio. Esse ponto ainda não é pacífico. O ministro Messod Azulay, por exemplo, acompanhou o relator com ressalvas ao apontar que, para ele, essa situação justificaria a ação dos agentes públicos.
“É uma situação para ser resolvida caso a caso. Uma deliberação dessa natureza [proibir o ingresso domiciliar nos casos em que há fuga] pela 3ª Seção engessaria de tal modo a jurisprudência que teria um efeito diverso da nossa tentativa de conter os Habeas Corpus.” (Conjur)