Em meados dos anos 1980, o economista Paulo Guedes chamou ao Brasil três acadêmicos para lhe ajudar na defesa de um programa liberal com foco em ajuste fiscal e privatizações, seu mantra desde aquela época. Os convidados eram Robert Lucas, Gary Becker e Thomas Sargent, seus ex-professores na Universidade de Chicago.
Anos depois, ele chegou a propor o receituário no plano do governo do então presidenciável Guilherme Afif Domingos, sem sucesso. E agora, indicado para “superministro” da Economia do futuro governo de Jair Bolsonaro, Guedes volta a se cercar de nomes ligados à escola que ajudou a moldar seu pensamento. Dessa vez com a caneta na mão, o desafio será enfrentar a resistência a reformas impopulares.
Na nova equipe econômica, há pelo menos outros três “Chicago Boys”: Joaquim Levy comandará o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); Rubem Novaes o Banco do Brasil e Roberto Castello Branco a Petrobras. O termo surgiu como apelido de jovens chilenos que estudaram na instituição e implantaram reformas liberais durante a ditadura de Augusto Pinochet na década de 1970.
Em linhas gerais, o receituário liberal de Chicago defende menos intervenção do Estado na economia. Novaes já sinalizou que a orientação é enxugar e se desfazer de ativos do BB. Castello Branco é crítico da política que segurou artificialmente os preços dos combustíveis, adotada durante os governos do PT.
Um dos primeiros “Chicago Boys” brasileiros, o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni destaca outra reforma: a abertura econômica. Ele espera que o país passe por um processo como o que ocorreu no Chile: “Vejo com enorme alegria a oportunidade dos Chicago Oldies, que não são mais Chicago Boys e já têm cabelos brancos, terem a oportunidade de transformar esse país”.
Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pondera, no entanto, que o que foi aplicado no Chile não necessariamente servirá no Brasil. Ele lembra que parte das reformas feitas no país latino atualmente é colocada em xeque, como a migração para o regime de capitalização na Previdência, que frustrou uma geração de aposentados que recebeu menos do que esperava.
“Não dá para pegar a experiência e falar que o que vai ser implantado será a política do Chile dos anos 1970. É um mundo diferente, com pessoas diferentes”, alerta Prado.
“Não há almoço grátis”
A Universidade de Chicago começou a ganhar força e ter o perfil liberal que lhe deu relevância nos anos 1940. Destacou-se como contraponto à política keynesiana (teoria do inglês John Maynard Keynes ) do pós-guerra, que previa mais intervenção na economia. Seus alunos passam a integrar um restrito clube, o que ajuda a explicar as escolhas de Guedes para formar seu time.
“É um clubinho bem fechado”, brinca Eduardo Rubini, ex-presidente da organização de brasileiros da Universidade. “Não é uma coisa arrogante, mas o pessoal é bem ligado. Se tiver a chance de trazer uma pessoa de Chicago, o fará antes de qualquer outro”.
O maior expoente da escola foi Milton Friedman, considerado um dos maiores economistas do século passado. Até mesmo quem não se interessa por economia já ouviu a sua frase “Não há almoço grátis”. Tudo tem preço, inclusive o sucesso. Por isso, alunos de Chicago falam tanto em meritocracia. Eles sabem muito bem o significado disso, por causa do nível de exigência da escola, onde alunos da graduação precisam resolver exercícios de pós-doutorado em outras instituições.
E em um ambiente tão competitivo, os brasileiros se juntaram. Há uma ONG que reúne os estudantes do Brasil. É responsável por organizar a única festa relevante da universidade: o carnaval. Os brasileiros que passam por lá constituem uma rede. Recém-formados conseguem facilmente trabalho no mercado financeiro. Nem é preciso olhar o currículo.
Os integrantes do clube de Guedes terão que vencer resistências, admite Langoni, lembrando que as ideias liberais costumam encontrar barreiras no País:
“Vai haver, sim, resistência. Mas minha sensação é que será diferente da minha época. Ali, tínhamos realmente ainda uma visão com viés estatizante, com conceito de nacionalismo exacerbado, com modelo de crescimento com endividamento que não se sustentou. Hoje, acho que a crise brasileira foi tão profunda. Estamos com uma economia semiparalisada ou crescendo muito abaixo do seu potencial”.