Quarta-feira, 08 de janeiro de 2025
Por Tito Guarniere | 18 de julho de 2020
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Chamam-no de Capitão Corona ou de Capitão Cloroquina. Mais do que nunca faz jus aos apelidos. Capitão, ele é de fato e de direito, embora não com méritos, pelo que se sabe de sua carreira militar. Cloroquina – em nada, a não ser nos filhos, ele bota mais fé. E Corona, agora que ele contraiu a doença, também parece apropriado.
Há quem acredite que ele pegou o vírus de propósito. Faz sentido. Ele deu o seu melhor, cometeu todas as imprudências, desafiou todos os regramentos, desobedeceu todas as recomendações: deixou o vírus sem opção, que não fosse a de contagiá-lo.
Além da desconsideração obtusa sobre a gravidade do coronavírus, já antes o Capitão havia cortejado a morte – dos outros, é claro. E ele calculou em 30 mil o número de subversivos e esquerdistas que mereciam ser fuzilados na ditadura – um surto apoplético. Entre eles, mencionou expressamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E em 2015 manifestou o desejo de que Dilma Rousseff morresse de infarto ou de câncer.
Pareceu a muitos que, então, era justo torcer pela morte de Bolsonaro. E viralizou nas redes sociais, a hashtag “forcacovid”, em homenagem ao mais ilustre infectado da doença.
O tema incendiou de vez com um artigo de Hélio Schwartsman, da Folha de São Paulo, cujo título dizia tudo: “Porque torço para que Bolsonaro morra”.
O jornalista justifica filosoficamente o desejo mórbido com uma “ética consequencialista”: a morte de Bolsonaro teria o efeito de salvar vidas, com a mudança na desastrosa condução do governo brasileiro na pandemia. Afora ser uma consequência imensurável, não demonstrável, a tese não passa de uma variante pouco sutil do (mau) princípio de que os fins justificam os meios.
Se os fins perseguidos são justos, então os meios podem ser, ainda que eventualmente, injustos, ilegais ou cruéis. Mas não há fins justos através de meios injustos. Meios injustos contagiam na origem, como um vírus, os fins, corrompendo a justeza destes. Schwartsman, que é um jornalista bem interessante, errou feio e provocou uma enorme celeuma.
Desejar a morte de Bolsonaro significa, sem tirar nem pôr, ficar igual a ele, padecer da mesma insensibilidade, da mesma falta de compaixão e empatia. Desejar a morte do outro é flertar com um valor sinistro. Mesmo em alguma circunstância especial e particular, talvez justificável, jamais chega a ser um sentimento virtuoso, nunca é algo de que alguém possa se orgulhar.
Combater Bolsonaro, fazer oposição a ele, implica em negar as suas crenças toscas, os seus notórios e primitivos valores. Chamá-lo de fascista deve, ao menos, significar a negação de primados fascistas – estes (como Bolsonaro) tinham um certo fascínio pela morte. Chamá-lo fascista e desejar a sua morte é uma contradição.
A consequência do artigo de Schwartsman, e das hashtags augurando nas redes sociais contra o Capitão, além de fazê-lo vítima, só o beneficia. Os seus detratores se igualam a ele, deixando todos os atores da cena política em incômoda igualdade – todos os gatos ficam pardos, ainda mais na noite escura em que estamos mergulhados.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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