Segunda-feira, 07 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 9 de novembro de 2021
A farmacêutica Moderna e os Institutos Nacionais da Saúde — NIH, na sigla em inglês, o conglomerado de pesquisa biomédica do governo americano — estão em uma disputa acirrada sobre o crédito por inventar o componente central da poderosa vacina contra o coronavírus da empresa, um conflito que envolve bilhões de dólares em lucros e também pode afetar a distribuição em longo prazo do imunizante.
A vacina surgiu de uma colaboração de quatro anos entre a Moderna e o NIH, uma parceria amplamente aclamada quando os primeiros testes mostraram que o imunizante era considerado altamente eficaz. À época, o governo americano anunciou o feito como a “vacina NIH-Moderna”.
A agência afirma que três cientistas de seu Centro de Pesquisa de Vacinas trabalharam com funcionários da Moderna para projetar a sequência genética que faz com que a vacina produza uma resposta imune e, por isso, devem estar listados no “pedido de patente principal”.
A empresa farmacêutica discorda. Em um registro feito em julho no Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos, a empresa disse que “chegou à conclusão de boa-fé de que esses indivíduos não coinventaram” o componente em questão. Seu pedido de patente, que ainda não foi emitido, nomeia vários de seus próprios funcionários como os únicos inventores.
O NIH está em negociações com a Moderna há mais de um ano para tentar resolver a disputa, mas o processo de julho pegou a agência de surpresa, de acordo com um funcionário do governo.
A disputa envolve mais do que elogios científicos ou ego. Se os três cientistas da agência forem nomeados na patente junto com os funcionários da Moderna, o governo federal poderia ter mais poder para definir quais empresas fabricariam a vacina, o que por sua vez poderia influenciar quais países terão acesso a ela no futuro. Também garantiria um direito quase irrestrito de licenciar a tecnologia, o que poderia trazer milhões para o Tesouro.
A disputa acontece em meio à frustração crescente nos EUA e em outros países com os poucos esforços da Moderna para levar sua vacina a países mais pobres. A empresa, que ainda não havia lançado um produto no mercado, recebeu quase US$ 10 bilhões em financiamento dos contribuintes para desenvolver o imunizante, testá-lo e fornecer doses ao governo federal. Com isso, já fez acordos de fornecimento no valor de cerca de US$ 35 bilhões até o final de 2022.
“O NIH discorda da determinação da invenção da Moderna”, disse Kathy Stover, porta-voz do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, o setor que supervisiona a pesquisa de vacinas. “Omitir os inventores do NIH do pedido de patente principal priva a agência de uma participação de copropriedade nesse pedido e na patente que eventualmente será emitida a partir dele.”
Uma porta-voz da Moderna, Colleen Hussey, por sua vez, disse que a empresa “sempre reconheceu o papel substancial que o NIH teve no desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 da Moderna”. Ela afirmou, no entanto, que a empresa era legalmente obrigada a excluir a agência do pedido principal de patente, porque “apenas os cientistas da Moderna desenvolveram” a vacina.
Cientistas afirmam ter visto a batalha como uma traição da Moderna, que recebeu US$ 1,4 bilhão para desenvolver e testar sua vacina e outros US$ 8,1 bilhões para fornecer ao país meio bilhão de doses. John Moore, professor de microbiologia e imunologia da Universidade Cornell, disse que a disputa envolve “justiça e moralidade em nível científico”:
“Essas duas instituições têm trabalhado juntas há quatro ou cinco anos”, afirmou.
Embora não tenha reconhecido publicamente a cisão até agora, o governo de Joe Biden expressou frustração com o fato de a Moderna não ter feito mais para fornecer sua vacina às nações mais pobres, embora tenha enormes lucros.
Ativistas pediram ao governo que pressionasse a empresa a compartilhar sua fórmula da vacina e transferir sua tecnologia para fabricantes que poderiam produzi-la a um custo menor para as nações mais pobres. Mas funcionários do governo dizem que não têm autoridade para exigir que a empresa faça isso.
“É também uma questão de abastecimento. Patentes são monopólios de desenvolvimento e, em uma pandemia, é uma ideia terrível ter uma empresa privada com o monopólio de parte de uma tecnologia que salva vidas”, disse Zain Rizvi, especialista em políticas de drogas da ONG Public Citizen que pesquisou os pedidos de patente da Moderna.