Integrantes do governo brasileiro, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, discutiram com o diretor-geral da Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), Williams Burns, em julho do ano passado, assuntos relativos “à promoção da democracia, da segurança e da estabilidade no Hemisfério”. A informação está em um ofício encaminhado à Câmara dos Deputados pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), Augusto Heleno.
Burns desembarcou em Brasília no dia 1º daquele mês, sem que o encontro constasse previamente nas agendas das autoridades, e os temas tratados durante a visita jamais haviam sido esclarecidos. Segundo a agência de notícias Reuters informou nesta quinta-feira (5), o dirigente da CIA veio ao Brasil para pedir que o governo brasileiro parasse de questionar a integridade das eleições no País.
A visita de Burns coincidiu com um momento em que Bolsonaro fazia ataques ao sistema eleitoral brasileiro, apontando suspeitas de fraude, mas sem apresentar provas. De acordo com a agência de notícias, o americano teria dito ao presidente, ao general Heleno e ao então diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, que o processo democrático é sagrado e que o sistema de votação no Brasil não poderia ser subestimado.
O ofício, encaminhado por Heleno em 2 de setembro de 2021, responde a questionamentos do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) acerca da visita. O documento foi endereçado ao deputado Luciano Bivar (União-PE), primeiro secretário da Mesa Diretora da Câmara, que tem a função de enviar requerimentos de informação a ministros.
Na resposta, o chefe do GSI informa que houve reuniões com Burns no Palácio do Planalto e um jantar oferecido no mesmo dia pela Embaixada dos EUA em Brasília (DF). Heleno destacou que o diretor da CIA se mostrou interessado, em relação à Abin, “na permanência da cooperação em matéria de inteligência, fundamental para responder a ameaças de caráter transnacional, como o terrorismo, a criminalidade organizada e a criminalidade cibernética”.
No documento em que responde à Câmara, Heleno também afirmou que o jantar foi apenas um evento de cortesia “e, naturalmente, transcorreu com conversas informais a respeito de temas de interesse mútuo do Brasil e dos Estados Unidos da América”. Ou seja, não havia, no convite, pauta ou tópicos pré-estabelecidos. Na reunião no Planalto, incluída posteriormente na agenda do presidente, consta também a presença do então ministro da Defesa, Walter Braga Netto. O general, hoje assessor especial da Presidência, é cotado para ser vice na chapa de Bolsonaro à reeleição.
Burns é um diplomata veterano, com histórico de atuação internacional. Em 2015 foi um dos negociadores do acordo nuclear entre Irã, EUA e outras grandes potências. No ano passado, cerca de um mês após visitar o Brasil, esteve no Afeganistão para se reunir com o líder político e número dois do Talibã, mulá Abdul Ghani Baradar.
Na época da visita, Bolsonaro chegou a comentar a reunião com o diretor da CIA em conversa com apoiadores, mas sem entrar em detalhes do que foi tratado. Na ocasião, atacou países vizinhos.
“Hoje recebi o chefe da CIA (sic), americano, e conversei com ele (Burns) reservadamente. Ninguém vive mais isolado. Eu interajo com vários países aqui. Não posso dizer que isso foi tratado com ele, mas a gente analisa aqui na América do Sul como estão as coisas. A Venezuela a gente não aguenta falar mais, mas olha a Argentina. Para onde está indo o Chile? O que aconteceu na Bolívia? Voltou a turma do Evo Morales e, mais ainda, a presidente que estava lá no mandato tampão (Jeanine Añez) está presa, acusada de atos antidemocráticos. Estão sentindo alguma semelhança com o Brasil?”, afirmou o presidente.
Questionados, nesta quinta-feira, sobre o pedido do diretor da CIA relatado pela Reuters, o GSI afirmou que “não recebe recados de nenhum país do mundo, nem os transmite”.
“A agenda com o Diretor da CIA foi devidamente divulgada. Os assuntos tratados, em reuniões, na área de inteligência, são sigilosos. O GSI não recebe recados de nenhum país do mundo, nem os transmite. Temos um excelente corpo de diplomatas e adidos para tratar dos interesses nacionais”, diz, em nota, a pasta comandada por Heleno.
Também questionados, a Secretaria de Comunicações da Presidência e a embaixada do EUA no Brasil não comentaram.