O governo Lula enfrenta dificuldades no Senado para levar adiante a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe a candidatura de militares da ativa a cargos eletivos. No momento em que as investigações da Polícia Federal avançam sobre a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de militares na tentativa de golpe, generais incomodados com o desgaste das Forças Armadas decidiram subir o tom contra a proposta.
Coube ao senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente da República sob Bolsonaro, arregimentar apoios para suspender a votação da PEC, apresentada pelo líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), ex-ministro da Defesa.
Agora, a ideia é promover sessões de debates sobre o assunto antes de qualquer análise do plenário. Na prática, Mourão atua para ganhar tempo, a fim de que o texto seja engavetado.
Um dos convidados por ele para a discussão no Senado é Aldo Rebelo, que foi ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff e titular da Coordenação Política no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros postos ocupados. Aldo assumiu a Secretaria de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo no lugar de Marta Suplicy e agora é visto pela cúpula do PT como um político que se aproximou do bolsonarismo.
Líderes do governo, por sua vez, planejam chamar os comandantes do Exército, Tomás Paiva; da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e da Aeronáutica, Marcelo Damasceno, para advogar a favor da PEC, além do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim.
Nos bastidores, porém, o Planalto teme que discussões acaloradas sobre a participação das Forças Armadas na política se transformem em uma espécie de “Fla-Flu” no Congresso após o ato pró-Bolsonaro, no último domingo, 25. O receio é de que isso atrapalhe votações de interesse do governo numa temporada em que inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) escancaram o envolvimento de militares na trama golpista do 8 de Janeiro de 2023.
“É um revanchismo idiota. Estão pegando um canhão para dar tiro em mosca”, afirmou Mourão. A referência tem como base as eleições de 2022. Pelas contas do senador, apenas 32 militares da ativa do Exército se candidataram naquele ano em um efetivo de 150 mil profissionais. “E ninguém foi eleito”, destacou. Juntos, Exército, Marinha e Aeronáutica apresentaram 63 candidaturas.
“A PEC transforma os militares em segunda categoria”, insistiu Mourão. “É uma afronta e precisa ser guardada no armário.”
As afirmações do general da reserva atingem a estratégia montada pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, para promover uma conciliação com as Forças Armadas, à revelia de alas do PT.
Múcio passou meses negociando o texto que ficou conhecido como “PEC dos militares na política”. Após esse movimento, uma outra PEC – apresentada na Câmara pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP) – acabou morrendo de inanição.
A proposta tinha apoio de várias tendências do PT e, além do veto imposto a militares da ativa em disputas eleitorais, proibia que eles ocupassem cargos públicos, como vagas em ministérios, por exemplo.
O texto também mudava o artigo 142 da Constituição – distorcido por bolsonaristas para pregar intervenção militar – e punha um ponto final nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
A caserna se rebelou contra essa PEC e Lula mandou tirá-la de cena, ainda no ano passado. O presidente ouviu Múcio, para quem era preciso reagir à politização das tropas deflagrada no governo Bolsonaro – que chegou a ter mais de 6 mil militares em cargos no primeiro e segundo escalões –, mas não entrar em confronto direto com as Forças.
Às vésperas da passagem dos 60 anos do golpe de 1964, que serão completados em 31 de março, a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos também foi enterrada.
Foi então que surgiu no Senado uma proposta mais amena, negociada entre Múcio, Wagner e comandantes militares, mas também determinando que quem quiser disputar eleições para o Legislativo ou o Executivo deve passar para a reserva.