Segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 9 de fevereiro de 2025
Primeiro ele foi usado pelo primeiro-ministro de Ontário, província canadense. Na cabeça de Doug Ford, o boné azul levava os dizeres “O Canadá não está à venda”. Depois, foi lançado por lideranças do governo Lula. Também azul, o acessório estampava a mensagem “O Brasil é dos brasileiros”.
Ambos foram uma resposta à escalada do protecionismo e à retórica expansionista de Donald Trump em seu novo mandato nos Estados Unidos. No Brasil, porém, o acessório também foi direcionado à oposição bolsonarista, em lua de mel com o americano, que já ameaçou aumentar as tarifas sobre os produtos brasileiros.
Pensado pelos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Sidônio Palmeira (Comunicação), o boné buscava expor a contradição do nacionalismo alardeado por Jair Bolsonaro (PL), que anda de mãos dadas com o populismo adotado por ele.
“Encaixa como uma luva”, disse o senador Randolfe Rodrigues (PT) ao canal MyNews. “Acho que não é muito adequado ficar batendo palmas para país estrangeiro e esquecer dos nossos interesses.”
Criticado pela oposição, o acessório também foi mal recebido por parte do eleitorado de esquerda, que considerou um erro reforçar uma mensagem nacionalista em meio à ascensão de políticos populistas que posicionam o imigrante como o inimigo – como Trump ou o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán.
Doutor em ciência política e professor da Ufpel (Universidade Federal de Pelotas), Daniel de Mendonça discorda dessa crítica e diz que Lula sempre esteve associado a elementos nacionalistas.
“Não é um nacionalismo que visa agredir outro povo, mas sim defender o Brasil de possíveis agressões. Não há problema em um nacionalismo que vise a integração dos povos, o auxílio aos países africanos ou latino-americanos.”
O boné foi lançado pelo governo enquanto ativistas e acadêmicos discutem se a esquerda também deveria apostar no populismo como uma tentativa de derrotar a direita populista.
Para Mendonça, o acessório tem traços populistas e pode representar um primeiro passo nesse sentido. “Tem a marca, talvez, do início de uma guinada de um populismo de esquerda. Não digo tão sincera, mas de uma estratégia política”, diz.
Embora o populismo tenha ganhado conotações negativas ao longo do século 20, o conceito é complexo e muito disputado. Uma das conceituações mais referenciadas é a do argentino Ernesto Laclau, que trata o populismo não como uma ideologia, com um conteúdo atrelado, mas como uma forma ou lógica política de construção de um povo que desafia um poder hegemônico.
Ao longo da história, à direita e à esquerda, governos populistas foram marcados pela retórica do povo contra as elites e pela presença de um líder carismático que se colocava como representante desse povo.
“O populismo não é um tipo de fascismo, de autoritarismo, nem um tipo de radicalização da democracia. Pode ser tudo isso. Não tem uma ideologia associada. É a construção política de um povo contra seu inimigo”, afirma Mendonça, que se dedica ao estudo do tema.
Para Thomás Zicman de Barros, doutor em ciência política e coautor do livro “Do Que Falamos Quando Falamos de Populismo”, o populismo insere na política setores que estavam à margem ou que se viam à margem, sem voz. “Há formas mais ou menos democráticas de incorporar esses setores”, diz.
Lula e Bolsonaro são representantes de dois diferentes populismos. O primeiro segue uma linhagem populista de esquerda latino-americana, que vai de Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón a Hugo Chávez e Evo Morales. O segundo integra o populismo de direita contemporâneo, de Trump, Orbán e Nayib Bukele.
Thomás entende que a esquerda brasileira poderia assumir um caráter mais populista que visasse levar para a esfera pública os invisibilizados. Ele afirma que o discurso precisa ser mais confrontativo, transgressor e audacioso –como o da extrema direita tem sido.
“A campanha do Lula em 2022 teve uma dimensão populista, mas, paradoxalmente, é um discurso de conservar, de preservar a democracia. Ninguém é contra isso, mas tem um monte de disfuncionalidades”, diz.
“O governo talvez tenha se concentrado numa volta à normalidade, o que é o antipopulismo. É não querer transformar o campo político: vamos manter como sempre foi.”
Para Mendonça, seria difícil para Lula assumir uma postura verdadeiramente populista na atual conjuntura.
“Hoje o Brasil é um país em que a direita tem uma hegemonia moral. É muito complicado que discursos populistas de esquerda, que privilegiem o coletivo, se homogenizem em um Brasil no qual o que importa é cada um por si e Deus por todos”, afirma. “Não sei se o PT enquanto governo está realmente a fim de disputar essa hegemonia.” (Folhapress)