O governo federal perdeu a chance de avançar nas reformas estruturais e no processo de privatização de empresas estatais pela falta de empenho e direcionamento de esforços a outros temas — como a PEC dos Precatórios, segundo analistas ouvidos pela reportagem. Em 2022, ano eleitoral, a probabilidade de se conseguir progresso nas reformas é pequena, mas a privatização da Eletrobras pode sair.
Nas reformas estruturantes, as mudanças no sistema tributário, consideradas fundamentais para estimular o crescimento econômico, e a reforma administrativa, que poderia conferir mais eficiência ao Estado e meritocracia no funcionalismo público, além de economia de recursos, foram deixadas de lado.
Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCif), e Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman e ex-secretária da Fazenda de Goiás, avaliam que as reformas tributária e administrativa dificilmente terão algum avanço no próximo ano.
Nas privatizações, segundo especialistas, o governo perdeu o “timing” de reduzir a presença do Estado na economia e agora corre o risco de terminar o mandato com apenas uma grande privatização realizada, a da Eletrobras.
Para Elena Landau, economista e ex-diretora de privatizações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e Ecio Costa, professor de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), faltou mais empenho e organização do governo na condução dos processos de venda de estatais.
Reforma tributária
A reforma tributária, tanto do consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) quanto do Imposto de Renda, tramitou nos últimos meses no Congresso Nacional, mas acabou não avançando diante da falta de acordo.
O diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCif), Bernard Appy, afirmou que a reforma tributária sobre o consumo é a mais importante para aumentar o potencial de crescimento da economia brasileira.
Ele citou estudo do economista Bráulio Borges, segundo o qual a reforma geraria um aumento do PIB potencial do Brasil de 20,2% em 15 anos e de 24% no longo prazo.
“Apesar de o governo ter mandado o projeto em 2020 [de unificação do PIS/Cofins], aparentemente nunca foi prioridade, pois até hoje não tem nem parecer. Se fosse prioridade para o governo, teriam trabalhado para avançar no projeto”, declarou.
Appy avalia que vai ser difícil a reforma tributária sobre o consumo ser levada adiante em 2022 no Congresso Nacional, devido às eleições, mas disse que o próximo presidente eleito terá de enfrentá-la em 2023, assim como as mudanças no Imposto de Renda.
Reforma administrativa
A reforma administrativa foi enviada pelo governo ao Congresso em setembro de 2020. A proposta tem como objetivo alterar as regras para os futuros servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios.
O texto foi aprovado em setembro deste ano pela comissão especial da Câmara destinada a discutir a proposta mas, para ter validade, ainda precisa passar pelo plenário da Câmara e do Senado.
Para Ana Carla Abrão, ex-secretária da Fazenda de Goiás, uma reforma administrativa é importante a fim de atender à demanda dos cidadãos por um Estado mais eficiente, voltado para a melhor prestação de serviços públicos, em particular nas áreas de saúde, educação e segurança.
“Temos um Estado inchado, ineficiente e com produtividade baixa, que precisa se modernizar e se voltar para as demandas dos cidadãos. Hoje, temos um Estado que está muito distante da sociedade e seus anseios. Só com uma reforma administrativa vai caminhar [nessa direção]”, declarou.
A especialista considera que o atual texto em análise pelo Congresso, porém, seria um retrocesso, pois, entre outros, não engloba o judiciário, mantém privilégios de algumas categorias, um alto número de carreiras e o baixo reconhecimento do servidor.
Além disso, segundo ela, a proposta também busca mexer na estabilidade do servidor público. “Começa por aí, um tema super sensível, até considerando as interferências no Iphan, no Inep e na Anvisa. Imagina o que significa mexer na estabilidade. Não tem clima para flexibilizar a estabilidade no Brasil”, declarou.
Para Ana Carla Abrão, as chances de a reforma administrativa vir a ser aprovada em um ano eleitoral “são próximas de zero”, mas ela disse ter esperanças de que, no próximo mandato, o presidente eleito avance nessa reforma.
“O Estado como está hoje reforça desigualdades sociais. Qualquer presidente que queira colocar esse tema da desigualdade e mobilidade social, certamente vai ter de enfrentar a reforma do RH [Recursos Humanos do Estado]”, concluiu.
Agenda do governo
Em fevereiro deste ano, uma agenda que contemplava 35 propostas foi entregue em mãos pelo presidente Jair Bolsonaro aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na abertura dos trabalhos legislativos do ano. No entanto, desse total, somente 13 projetos foram aprovados pelas duas Casas.
Do que foi aprovado, destacam-se a autonomia do Banco Central, a nova lei do gás e mudanças na lei cambial. A privatização da Eletrobras, aprovada após o governo editar uma medida provisória, está sob questionamento do Tribunal de Contas da União (TCU).
Ficaram para trás as reformas econômicas, entre as quais a tributária e a administrativa, que estão entre as principais bandeiras do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em entrevista, Guedes afirmou que é papel do governo “defender as reformas o tempo inteiro”. “Agora, há momentos em que você vê que tem coisa que não está andando”, admitiu.
Para o ministro, “vai ficar difícil” aprovar novas regras tributárias em um ano eleitoral. Segundo ele, empresários “correram para pressionar o Senado” contra a medida.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que houve avanços e “dificuldades”.
“Nos dois anos da pandemia, nós tivemos muita dificuldade. Chegamos num tempo em que não podia entrar aqui dentro [no Congresso]. Então, nós voltamos ao presencial há dois meses. Infelizmente, isso nos atrapalhou, e a pandemia nos tirou uma boa oportunidade de articulação”, disse.