O governo federal quer usar a proposta de emenda constitucional (PEC) da Segurança Pública para fortalecer e ampliar o escopo de atuação da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Penal Federal. O modelo vem sendo acompanhado de perto pelo próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que vê na PEC uma ferramenta para corrigir os problemas na área.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, uma das ideias em análise é incluir na PEC prerrogativa para que a PRF atue também em ferrovias e hidrovias, adquirindo maior força ostensiva. A visão é de que o fortalecimento da Polícia Federal incrementaria ações de inteligência, que se complementariam com a ação mais ostensiva da PRF, aumentando a tração da União no combate ao crime organizado.
Atualmente, a Marinha faz o patrulhamento fluvial em regiões de fronteira. No caso das ferrovias, a Constituição prevê a Polícia Ferroviária Federal, mas a corporação está praticamente extinta.
Conforme o estudo Raio-X das Polícias, publicado em fevereiro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia ferroviária embora tenha previsão constitucional nunca chegou a ser formalmente instituída, já que o Ministério da Justiça não criou estrutura de cargos e salários para a função. A carreira aguarda até hoje um departamento específico, a exemplo do que foi feito com a PRF.
Na gestão Jair Bolsonaro, a PRF ganhou espaço em operações contra o crime, mas episódios de letalidade – sobretudo a morte de Genivaldo Santos em 2022, que morreu asfixiado em uma viatura – colocaram a atuação dessa corporação em xeque.
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, chegou a dizer que a existência da polícia rodoviária deveria ser “repensada” após outro episódio violento, a morte de uma garota de 3 anos baleada por agentes em setembro, na Baixada Fluminense.
O efetivo da PRF é de quase 13 mil agentes, praticamente o mesmo de policiais federais. Supera o das polícias militares de vários Estados, como Santa Catarina (9,9 mil) e Maranhão (11 mil). No último ano de seu mandato, Bolsonaro liberou a nomeação de 625 novos PFs e 625 agentes federais rodoviários.
Para essa nova mudança, há uma minuta inicial do texto da PEC, mas a proposta ainda será amadurecida internamente e pode mudar. Ainda não há prazo para que o rascunho seja apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A segurança pública é uma das áreas de pior avaliação do governo Lula. Pesquisa Ipec divulgada nesta semana mostrou que 42% dos brasileiros reprovam a gestão federal na área. No setor, a proposta tem sido vista como uma estratégia do ministro para dividir a fatura do fracasso na segurança com outros atores políticos. De modo que passe a mensagem de que está se movimentando para solucionar o problema, mas há outras questões envolvidas.
O ministro defende que a Constituição seja modificada para que a União tenha mais poderes de um planejamento nacional de caráter compulsório para os outros órgãos de segurança. Ele argumenta ainda que a segurança pública é muito “compartimentalizada” no que diz respeito a atribuições da União, dos Estados e Municípios.
Em palestra fechada no Instituto de Advogados de São Paulo, Lewandowski defendeu a alteração na Constituição. Ele diz que apesar da instituição do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) em junho de 2018, em um país federativo a União tem competências limitadas para vincular a ação de Estados e municípios.
Nesse sentido, defende que a PEC permita que o governo federal elabore plano nacional de segurança, mas garantindo que os entes federados definam estratégias relacionadas a peculiaridades locais.
“Na verdade, esse Susp foi concebido à imagem e semelhança do SUS (Sistema Único de Saúde). Só que o SUS está na Constituição, é uma rede hierarquizada, que tem uma distribuição nacional de médicos, enfermeiras, profissionais de saúde. E conta com recursos próprios vinculantes”, disse Lewandowski no almoço com advogados.
O ministro defende a perspectiva de que a constitucionalização do modelo também poderia inserir uma reserva de recursos para área. O SUSP, chamado de “SUS da Segurança”, foi sancionado em 2018, mas até o momento não saiu de fato do papel.
A legislação determina que haja colaboração, estratégias integradas, compartilhamento de dados e de estruturas entre os entes da federação. Na prática, no entanto, o que se vê são apenas operações pontuais realizadas de forma integrada e não coordenação perene que direcione os órgãos policiais no combate ao crime.
“Se saúde e educação, juntamente com segurança pública, são os problemas que mais afligem o cidadão brasileiro, talvez seja o momento de constitucionalizarmos também o SUSP, dando-lhe verba própria para que possa cumprir suas finalidades. Verba essa não para União, mas que seja distribuída ao longo de todo sistema, que inclui desde a Polícia Federal até as guardas municipais”, afirmou.