A Europa central recebeu bem a vitória de Joe Biden sobre Donald Trump nos Estados Unidos, após muitas saias-justas entre mandatários dos dois lados do Atlântico nos últimos quatro anos. Já alguns países, predominantemente do leste, que decidiram por governos mais à direita – como a Hungria, de Viktor Orbán – e viam no republicano um apoio ideológico, tenderão a ficar mais isolados no continente.
Uma das imagens que talvez ilustre os quatro anos da relação conturbada é uma foto tirada durante uma reunião de cúpula do G-7 que mostra a chanceler alemã, Angela Merkel, ao lado de outros líderes do grupo, parecendo confrontar o americano.
A foto viralizou – tendo sido publicada primeiro na conta do Instagram da chanceler – depois que Trump decidiu desistir de um acordo com o G-7 porque o Canadá disse que não cederia à guerra tarifária com os Estados Unidos.
Essa não foi a única vez que Trump causou desconforto aos europeus. Na semana passada, a ex-primeira-ministra britânica Theresa May lembrou no Twitter de forma irônica que, enquanto se aguardava o resultado da apuração da eleição americana, também se completava um ano da oficialização, pela Casa Branca, da decisão de sair do Acordo do Clima de Paris, uma das promessas de campanha de Trump que a Europa nunca engoliu.
Nos últimos tempos, o confronto era mais direto com o presidente francês, Emmanuel Macron, por causa da decisão de taxar as gigantes do mundo digital, conhecidas como big techs, que são em sua maioria americanas. A determinação do tributo é da União Europeia e foi orientada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual os Estados Unidos fazem parte, mas é a França que vem batendo mais duro nessa questão.
Quando visitou o Reino Unido, em junho de 2019, Trump foi recebido com protestos por uma parcela da população. Ele disse que um acordo comercial entre os dois lados deveria contemplar o NHS, como é conhecido o Sistema Nacional de Saúde.
Houve uma revolta popular sobre a possibilidade de privatização, e o primeiro-ministro, Boris Johnson, teve de ir a público algumas vezes para tranquilizar os críticos e garantir que o sistema continuaria universal. Depois disso, surgiu a pandemia de covid-19 e os laços dos britânicos com o NHS, que chamam de patrimônio nacional, ficaram ainda mais fortes.
No universo das novas relações comerciais que o Reino Unido terá de articular com o Brexit, a saída da União Europeia, tudo indicava que o passo inicial seria dado com os Estados Unidos, parceiro histórico. Trump sempre foi um defensor do divórcio e, desde o começo, opinava sobre uma saída mais radical, sem acordo com o restante do continente.
Esse posicionamento distanciou ainda mais os líderes europeus do governo americano. Com a proximidade da eleição, as negociações esfriaram, e o primeiro pacto fechado foi com o Japão. O democrata Joe Biden era contrário ao Brexit.
Nos últimos dias, com as pesquisas apontando para uma possível vitória de Biden, as preocupações cresceram no gabinete de Boris Johnson, que não se preparou para uma vitória da oposição. Conforme a imprensa local, autoridades britânicas não tiveram acesso a um membro mais sênior da equipe de política externa do democrata.
Boris Johnson tem forte vínculo com Trump e já há preocupações, agora, sobre como ficarão as relações entre as partes, já que o governo conservador não trabalhou para promover vínculos mais estreitos com Joe Biden – ele esteve em visita oficial no Reino Unido em 2013, quando ainda era vice-presidente de Obama.
O temor dos estrategistas da campanha democrata com outros governos seria por causa das acusações de conexão de Trump e autoridades russas durante a eleição de 2016 – capítulo mal explicado pelo republicano e do qual até hoje a Europa tem reservas.