A gravação da reunião entre o ex-presidente Jair Bolsonaro, duas advogadas de Flávio Bolsonaro, o general Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, pelo então chefe da Abin, Alexandre Ramagem, mostra que este último no mínimo desconfiava que receberia um pedido ilegal, e decidiu fazer prova para se defender.
No encontro, as advogadas apresentam uma teoria a Bolsonaro de que toda sua família estaria sendo alvo de uma perseguição “pelo quinto escalão” da Receita Federal, responsável pela elaboração de relatórios que explodiram o caso de rachadinhas na Assembleia do Rio de Janeiro, atingindo Flávio Bolsonaro.
Depois de dizer que havia uma conspirata na Receita, uma das defensoras diz abertamente que quer que a Abin faça uma devassa nos sistemas do órgão e também no Serpro, o serviço que condensa todos os acessos a sistemas do governo federal.
Ramagem, então, recusa a estratégia. Diz que Heleno seria “crucificado” se ela viesse à tona e que nem o então ministro da Economia, Paulo Guedes, poderia dar apoio político à empreitada.
“Fiz um pedido do GSI de averiguação dos sistemas de inteligência da Receita”, diz uma das defensoras. Ramagem reage: “Quando?”. “Estou trazendo hoje”, ela responde.
Mais adiante, a defensora avança na estratégia: “O que a gente gostaria: a gente gostaria que essa apuração do Serpro em relação ao Flávio, à esposa do Flávio, da família toda do Flávio deveria ser feita para a gente pedir a nulidade disso tudo”.
A advogada reconhece que Bolsonaro pode ser acusado de usar a máquina pública em favor da família, mas aponta um caminho para a resposta política: “Não. Isso pode anular a furna da onça como um todo”, indicando que a iniciativa beneficiaria mais de duas dezenas de políticos alvo da investigação.
Após ouvir a estratégia, Ramagem diz textualmente que “a via do GSI não é a correta”. Ele ainda afirma que não haveria como justificar a devassa aos dados e ressalta a exposição política junto ao STF. Ele ainda sugere que as advogadas ingressem com pedidos junto ao Supremo, onde haveria mais chance de vitória.
Chama atenção a negativa firme de Ramagem, apontado pela PF como autor do grampo da reunião. Ao ir ao encontro municiado de um gravador, tendo-o mantido ligado durante mais de uma hora, diante dos pedidos explícitos de interferência em investigação em andamento, o delegado da PF mostra que quis produzir prova a favor de si, blindando-se de eventual acusação no caso.
Aparentemente, ele sabia do potencial lesivo do encontro e quis se blindar. Ainda que expondo Bolsonaro a um risco imenso.
O áudio flagra Bolsonaro admitindo conversar com o então chefe da Receita – “tem que conversar com ele sozinho” – para pedir uma apuração sobre auditores da Receita. No mesmo trecho, o ex-presidente crava: “Nunca se sabe quem está gravando…”. Nisso, Bolsonaro estava certo.
Ramagem
Em vídeo divulgado nas redes sociais, Alexandre Ramagem afirmou que Bolsonaro tinha conhecimento de que a conversa seria gravada com objetivo de registrar um crime contra o ex-presidente.
“Essa gravação não foi clandestina. Havia o aval e o conhecimento do presidente. A gravação aconteceu porque veio uma informação de uma pessoa que viria na reunião, que teria contato com o governador do Rio à época [Wilson Witzel], que poderia vir com uma proposta nada republicana. A gravação seria para registrar um crime contra o presidente da República, só que isso não aconteceu. A gravação foi descartada!”, justificou.
Ramagem também afirmou que as advogadas de Flávio apresentaram “possíveis irregularidades” que estariam ocorrendo na parte da investigação que envolvia a Receita Federal e sugeriram a atuação do GSI. O ex-diretor declarou que foi contra a sugestão.
“Falei que a inteligência não tem como tratar de dados de sigilo bancário e fiscal, não haveria o resultado pretendido. A atuação do GSI seria prejudicial para o general Heleno, que não seria a via correta e não teria resultado. Ou seja, informando que o que deveria ser feito era cientificar a própria Receita para abertura de procedimento interno e administrativo, na forma legal, para qualquer desvio de conduta que possa estar acontecendo”, disse.
O ex-diretor também isentou Jair Bolsonaro da acusação de favorecer seu filho. “De toda a reunião, as advogadas devem ter falado 80% da reunião, contando os episódios. O presidente Bolsonaro pouco se manifestou. Quando o presidente se manifestou, sempre informou que não queria favorecimento”, completou. As informações são do portal de notícias G1 e da Agência Brasil.