Parece longe de chegar ao fim a polêmica em torno da tela “Paisagem, 1925”, atribuída à paulista Tarsila do Amaral (1886-1973) e cuja existência veio a público em abril, na 20ª edição da mostra SP-Arte. A obra teve sua autenticidade comprovada, segundo a empresa Tarsila S.A, responsável pelo gerenciamento do espólio da pintora, mas a Associação de Galerias de Arte do Brasil (Agab) informou que não reconheceria o laudo, elaborado durante quatro meses e sob comandado pelo perito Douglas Quintale. Agora, um grupo de 25 herdeiros da modernista publicou carta aberta também refutando a legitimidade da obra.
O debate colocou em foco uma disputa interna entre os próprios herdeiros da modernista, que teve seu auge no ano passado, quando, em meio a uma disputa judicial, Tarsilinha do Amaral (sobrinha neta da pintora) foi substituída na gestão do espólio por Paola Montenegro, sua sobrinha bisneta.
A troca também gerou uma mudança no Comitê de Autenticação, agora presidido por Quintale, com uma alteração da metodologia para a certificação de obras de Tarsila. Antes, este processo era conduzida por Aracy Amaral, considerada a maior expert na obra da pintora no Brasil e que estava à frente da equipe que conduziu os trabalhos de elaboração do catálogo raisonné, publicado em 2008.
“Paisagem, 1925″ é de propriedade de Moisés Mikhael Abou Jnaid, brasileiro-libanês com dupla nacionalidade, e teria sido levada para o Líbano em 1976 e voltado somente em dezembro do ano passado. Em abril, a obra estava à venda por R$ 16 milhões, mas agora sua avaliação teria saltado para R$ 60 milhões, segundo a OMA Galeria, que negocia a obra.
O anúncio de que a obra teve sua autenticidade comprovada foi feita pela galeria, a Tarsila S.A., gerida por Paola, e Quintale, perito no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e dono da Quintale Art Law, especializada em certificação de obras de arte. Com a mudança na gestão do espólio, Quintale passou a presidir também o Comitê de Autenticação de Obras de Tarsila do Amaral.
Na carta aberta, rubricada por metade dos herdeiros da pintora, os sucessores “manifestam seu completo e total repúdio às afirmações lançadas por pessoas que não estão autorizadas pela maioria da família para alterar e certificar a autenticidade de obras da renomada artista plástica”. O texto, que conta com a subscrição de Tarsilinha, ainda afirma que “os herdeiros mais próximos de Tarsila do Amaral nunca ouviram falar dessa obra, sendo inverossímil que ela tenha permanecido oculta por tanto tempo”.
Conforme a OMA Galeria, Moisés Mikhael Abou Jnaid afirma que a obra foi um presente de seu pai, Mikael Mehlem Abouij Naid, para sua mãe, Beatriz Maluf, pelo seu matrimônio, realizado em novembro de 1960, em Pirajú (SP). A obra teria sido levada para Zahle, no Líbano, após a morte da matriarca, e teria retornado ano passado após a eclosão da guerra entre Israel e Hammas. “A tela tem um valor simbólico e emocional” e que, até então, a família não tinha “ciência do valor estimado desta obra”, ressalta o proprietário.
Na nota publicada pela Associação de Galerias de Arte do Brasil, os marchands afirmam não reconhecer o laudo de autenticidade da tela “assim como outros eventuais laudos de obras atualmente desconhecidas que venham a surgir no futuro”, caso não contem com a participação de Tarsilinha, Aracy Amaral, Vera d’Horta, Regina Teixeira de Barros, e Maria Izabel Branco Ribeiro, responsáveis pela catalogação das obras da artista em seu catálogo raisonné.
Em entrevista ao jornal O Globo, Douglas Quintale disse que o processo de autenticação contou com avaliações de grafotecnia e pinacologia, exames de luz ultravioleta, infravermelho e imagens hiperespectrais:
“Foi tudo feito com tecnologia de ponta. Se fosse para autenticar um Picasso, um Zurbarán, um Leonardo da Vinci, seria feito da mesma forma. Com a tecnologia mais avançada disponível hoje, o nível é de 100% de acerto de que se trata de uma obra original”.