Em conversas, encontros e reuniões fechadas, um grupo de deputados traça a estratégia para fazer passar na Câmara uma proposta que permite a reabertura dos cassinos, a legalização dos bingos e outras modalidades como jogo do bicho, máquinas caça-níquel e jogos on-line. A ação inclui pautar o projeto no plenário já para novembro, sem alarde. Também está nos planos dos parlamentares promover um número mínimo de audiências públicas, uma delas envolvendo a Receita Federal e o Conselho do Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A tática é não dar muito espaço a setores que se opõem ao plano, mas quebrar a resistência com o argumento de que a matéria vai tramitar no limite da lei.
A proposta debatida pelo grupo de trabalho (GT) criado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é de 1991 e cria o Marco Regulatório dos Jogos. Nas reuniões, os deputados avaliam como convencer a bancada evangélica e alas da esquerda, contrários aos jogos, a pelo menos não trabalharem contra a proposta.
Presidente do GT e da Comissão de Turismo da Câmara, o deputado Bacelar (Podemos-BA) tem dito a colegas que ele e o deputado Vermelho (PSD-PR) convenceram Lira a criar o colegiado e contam com o apoio do chefe da Casa, que teria pedido discrição. Bacelar afirma não saber a posição de Lira, mas disse esperar ter o apoio dele:
“Fomos ao presidente (Lira) e falamos que tem um projeto de 2016 pronto para votar. E ele assumiu e nos disse: ‘Vamos, vamos enfrentar a questão. Mas que trabalhem sem muito holofote, sem muita audiência pública, e eu abraço a questão’”, relatou Bacelar numa reunião fechada com aliados.
Atuação de lobistas
Lobistas que atuam há anos na Câmara pela liberação dos jogos também participam das reuniões do GT, sob o selo de consultores. Um deles é o jornalista Magnho José, que preside o Instituto Brasil Jogo Legal e edita um portal sobre o tema. Nas suas redes sociais, ele publicou na semana passada uma foto de um desses encontros, do qual deu detalhes. Magnho José ainda dá dicas a parlamentares sobre como funcionam os cassinos no mundo e jogos on-line.
O grupo já articula, inclusive, reação à declaração do presidente Jair Bolsonaro à revista “Veja”, de que vetará a legalização dos jogos, caso o Congresso a aprove. O mais governista integrante do GT, o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), disse que foi surpreendido com o posicionamento do presidente:
“A legalização dos jogos vai alavancar o turismo, gerar divisas e milhares de empregos. Essa posição do presidente hoje é pressão de parte da bancada evangélica, mas ele vai mudar.”
Os deputados do GT acreditam ter o apoio de mais da metade dos 513 deputados. Falam que boa parte dos evangélicos apoia a legalização do jogo, mas que preferem não se posicionar publicamente. E se Bolsonaro insistir no veto, vão trabalhar para derrubá-lo.
“Totalmente equivocada a declaração do presidente, usando argumentos invertidos. Quem mais perde com o jogo na ilegalidade é o Estado, que deixa de arrecadar bilhões”, pontuou Bacelar. “O presidente faz isso para agradar sua base religiosa, mas tem que pensar é em emprego. Se vetar, vamos derrubar. Tenha certeza.”
A participação da Receita e do Coaf numa das audiências públicas visa a dissociar a atividade dos jogos à criminalidade, como afirmou um dos integrantes do grupo, numa reunião fechada:
“Vamos chamá-los para mostrar que a coisa está indo com legalidade. E (ouvi-los) vai quebrar o discurso dos que são contra abertura de cassino associando a atividade a lavagem de dinheiro.”
Os deputados querem implementar no país os “cassinos-resort”, grandes complexos com hotéis, lojas e locais de jogos. Pelas contas desse grupo, para erguer um espaço como este, o investimento fica na casa dos bilhões de reais.
Os integrantes do GT acreditam ter no ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, um aliado. O senador, que hoje está o Palácio do Planalto, é autor de um projeto que legaliza jogos.
Relator do projeto, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) defende a regulamentação também do jogo do bicho. Como seus aliados, ele costuma argumentar que, se não for legalizada, a atividade continuará existindo Brasil afora, mas sendo explorada por contraventores:
“É melhor estar na luz, regulamentado, do que no escuro (na ilegalidade).”