Domingo, 17 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 17 de novembro de 2024
Negociadores do governo brasileiro passaram os últimos dias trabalhando para encontrar uma fórmula de consenso que permita mencionar a guerra entre Rússia e Ucrânia e o conflito na Faixa de Gaza na declaração final de chefes de Estado e governo do G20, que se reunirão nesta segunda (18) e terça-feira (19) no Rio. Uma das estratégias dos negociadores chefiados pelo sherpa do Brasil (representante do presidente no G20), o embaixador Mauricio Lyrio, é evitar a “condenação explícita” a uma das partes do conflito. Seriam mencionados princípios como “reconhecimento a dois Estados” e “integridade territorial”, mas sem citar países ou partes envolvidas. Se trata de um dos pontos mais sensíveis da declaração que, nos últimos dois dias, enfrentou um boicote inesperado por parte dos negociadores da Argentina de Javier Milei.
Desde a última quinta-feira (14), a delegação argentina passou a modificar posições já acordadas com os demais países, se transformando num grande complicador para o Brasil, na reta final das negociações. Os representantes de Milei, confirmaram fontes oficiais, mudaram de posição sobre a proposta de taxação dos super-ricos, disseram não estar dispostos a assinar uma declaração que fale da guerra e não condene a Rússia, e passaram a se opor a todos os temas vinculadas à agenda 2030 no âmbito das Nações Unidas — entre eles pobreza, combate à desigualdade e clima. A Argentina, segundo uma alta fonte do governo Lula, “é uma causa perdida”, e deverá ficar de fora dos pontos mais relevantes do documento, ou até mesmo de todo o texto.
Jeitinho brasileiro
O parágrafo sobre Gaza e Ucrânia continuava sendo negociado no sábado (16), e ainda deverá passar pelo filtro dos chefes de Estado e de governo. Nas duas cúpulas de líderes do G20 realizadas após a invasão da Ucrânia pela Rússia — na Indonésia, em 2022, e na Índia, em 2023 — as negociações entre os membros do grupo foram totalmente contaminadas pelo conflito bélico. Quando chegou a vez de o Brasil assumir o comando do G20, em dezembro de 2023, o governo Lula elaborou uma estratégia para evitar que o mesmo acontecesse ao longo de 2024, e o ponto central dessa estratégica, admitiram fontes diplomáticas, foi deixar o debate sobre a guerra para a reta final das negociações no Rio. O mesmo foi feito em relação ao conflito na Faixa de Gaza. O Itamaraty blindou a presidência brasileira do G20.
Nas cúpulas da Indonésia e da Índia, os ministros do G20 barraram diversos acordos argumentando, explicaram fontes diplomáticas, “que não podiam tomar uma decisão por conta da guerra na Ucrânia”. Aliados e adversários do governo de Vladimir Putin afirmaram, nos dois encontros, que o conflito impedia seus governos de se posicionarem sobre temas como comércio e meio ambiente, entre muitos outros.
O resultado foram cúpulas de baixo conteúdo, nas quais os líderes não receberam, como acontecerá no Brasil, acordos prévios selados por seus ministros, o que, em tese, facilitará a discussão entre os chefes de Estado e governo — mas não garante o sucesso do encontro. O assunto é tão delicado e complexo que foi discutido apenas entre os sherpas (representantes dos líderes no G20), sem a participação de outros negociadores.
O governo Lula adotou um jeitinho brasileiro para enfrentar um cenário global profundamente adverso, que pode acabar dando certo, ou não. O martelo será batido pelos líderes, e contratempos de última hora não podem ser descartados.
Consensos possíveis
Os dois conflitos foram tratados com extremo cuidado pelo governo Lula. Ideias que circularam em algum momento do ano, entre elas a transmissão, durante a cúpula, de um vídeo com uma mensagem do presidente Vladimir Putin, foram descartadas. Segundo admitiu uma fonte do governo brasileiro, “uma mensagem de Putin teria incomodado profundamente alguns dos participantes”.
Na visão de Guilherme Casarões, cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, “a estratégia do Brasil buscou transformar o G20 numa plataforma de consensos possíveis, que possam contribuir para o debate de grandes temas internacionais”. As informações são do jornal O Globo.