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Por Redação O Sul | 24 de fevereiro de 2021
Há 42 mil anos, a camada de ozônio quase desapareceu. Os ventos do Oceano Pacífico se transformaram. O manto de gelo da América do Norte se expandiu. A megafauna da Austrália foi extinta, e os últimos neandertais desapareceram. Da mesma época são datadas as primeiras pinturas rupestres em várias partes do globo. Agora, um grupo de pesquisadores relaciona esses eventos a um intenso enfraquecimento do campo magnético provocado durante a inversão dos pólos da Terra. O estudo que se baseou na análise do tronco de uma antiga árvore foi publicado na revista Science.
“O campo magnético da Terra impede que uma grande parte da radiação cósmica atinja nossa atmosfera”, explica o professor da Universidade de New South Wales, na Austrália, e o coautor do estudo Chris Turney.
O centro da Terra é formado por um magma em movimento de ferro e níquel que gera e sustenta esse campo. Mas há cerca de 42 mil anos ocorreu um fenômeno que deixou o planeta sem seu escudo. Os geofísicos o chamam de excursão de Laschamp, no qual o magnetismo da Terra foi invertido.
“Os pólos magnéticos se invertem, o pólo magnético do norte vai para o sul, e o pólo magnético do sul vai para o norte”, detalha o cientista do Instituto de Geociências da Universidade Complutense e do CSIC Javier Pavón.
Essa reversão magnética pode ser temporária, como foi a excursão de Laschamp, cada pólo retornando ao seu lugar depois, ou fixada por centenas de milhares de anos. “As excursões costumam durar um milênio, as inversões muito mais. A última inversão magnética foi há 780 mil anos e ainda estamos nela”, lembra Pavón, que não participou do estudo.
Os geofísicos já estavam cientes da excursão de Laschamp, mas não sabiam o quanto o campo magnético enfraqueceu. Neste trabalho, os pesquisadores observaram que houve uma queda intensa, que deve ter causado impactos em todos os níveis, começando pelo atmosférico.
À medida que a intensidade do campo magnético diminuía, a radiação cósmica aumentava. Também coincidiu com pouca atividade solar, fazendo com que chegassem ainda mais raios cósmicos ao perder o escudo protetor do Sol, explica Gabriel Chiodo, especialista em química atmosférica do Instituto do Clima Ciências e Atmosfera da Escola Politécnica Federal de Zurique, na Suíça.
Ocorreu então uma série de anomalias, em particular o aumento dos óxidos de nitrogênio, compostos muito reativos, que desencadearam um ciclo de destruição da camada de ozônio.
Esse gás aprisiona a maior parte da radiação ultravioleta, e sua ausência pode provocar impactos: “A estratosfera [camada acima da troposfera e com até 50 km de altitude] se resfriaria, principalmente a tropical, alterando o gradiente de temperatura, e isso afetaria toda a circulação atmosférica [movimentação das massas de ar], atingindo até a troposfera [camada atmosférica inferior, situada a aproximadamente 12 km de altitude] e a superfície”, diz Chiodo, que não participou desta pesquisa.
O resfriamento é registrado em núcleos de gelo extraídos da Groenlândia. Mas nem o gelo, nem corais ou sedimentos do fundo dos lagos oferecem uma resolução temporal como a dos anéis das árvores, explica o pesquisador florestal da Universidade Pablo de Olavide Raúl Sánchez, um especialista na ciência de determinar o tempo lendo círculos de árvores. Esta é a segunda grande contribuição da pesquisa publicada na Science: “Eles conseguiram datar a excursão praticamente ano após ano”, acrescenta Sánchez, que não está envolvido no estudo.