Sábado, 21 de dezembro de 2024
Por Lenio Streck | 29 de maio de 2021
Em várias colunas aqui em O SUL e em outros textos alertei para a Novilingua que se forjou em diversas áreas. Começar virou “estartar”. Incremetar é “dar um up”.
Bom, Orwell já denunciou isso em seu 1984, em que o regime trocou as palavras para dizer as mesmas coisas, como “Ministério da Guerra” virou “Ministério do Amor”. Todo os dias se vê essa novilíngua.
Agora o grande Rui Castro, em artigo na Folha de São Paulo, mostra como isso chegou ao futebol. Narradores, comentaristas, treinadores agora falam o “novilinguês”.
Assim: jogador ou time, ninguém mais joga bem —“faz bom jogo”. Alguém que desarma um adversário e parte para o ataque é porque “teve uma leitura adequada” do lance. Times ofensivos agora são “propositivos”. Já os que se fecham e jogam no contra-ataque são “reativos”. E, outro dia, um comentarista disse na TV que tal sistema de jogo “demandava percepção cognitiva” —e ninguém na mesa riu.
Mais: Estamos diante de uma nova cepa (epa!) do pedantês arcaico, o titês, criado pelo treinador Tite, da seleção. Nele, os antigos e velozes pontinhas dribladores tornaram-se os “extremos desequilibrantes”. O vulgar “dar conta do recado” foi promovido a “performar”. E os estudiosos conseguiram traduzir um tijolo em que se lia “sinapse no último terço”, mas não sabem o que significa. Os infelizes comandados pelo citado Tite também não.
O futebol, na verdade, apenas reflete uma novilíngua geral no Brasil, em que palavras ainda perfeitamente válidas estão sendo canceladas e substituídas por outras aprendidas de ouvido na internet. A velha e confiável “eficiência”, por exemplo, deu lugar a “efetividade”. Ninguém mais é “forte” ou “resistente”, mas “resiliente”. O lindo e sensual “atraente” foi chutado do léxico pelo “atrativo”. E “audiência” deixou de ser aquilo que se media para saber quem estava na escuta, tragada pelo inglês “audience”, que significa “plateia, acrescenta o jornalista carioca.
E conclui Rui: quando se faz algo exato, delicado, no detalhe, diz-se que foi “cirúrgico” —como se uma cirurgia, qualquer uma, não fosse um banho de sangue. E nunca se usou tanto a palavra “empatia”. Logo hoje, em que ela está mais em falta do que nunca.
Nada tenho a acrescentar. Absolutamente genial. É o drible da vaca na língua.
Logo, drible da vaca será “o atleta induziu o adversário em erro, simulando a ultrapassem por um lado e a esfera de couro pelo outro”.
Cruzamento para a área será “levantamento estratégico, com pequena elevação, sobre a área próxima à goleira do adversário”.
Goleiro defendendo será “o protetor das três balizas, com esmero, evita a tentativa de introdução da bola. E fê-lo mediante impulsão em sentido horizontal na direção de seu lado esquerdo”.
O narrador passa a ser chamado de “ator encarregado de explicitar as particularidades do espetáculo ludopédico”.
Já o comentarista será chamado de “analista de conjuntura do game, especialista em prognoses decorrentes de sua capacidade de cognoscibilidade empíricista”.
Bah!