Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 9 de julho de 2023
Aos 17 anos, no começo da década de 1960, Helô Pinheiro costumava cruzar as ruas de Ipanema, no Rio, com duas finalidades. Uma era se dirigir ao ponto de ônibus, no qual embarcava, vestida de uniforme escolar, para estudar no colégio estadual Júlia Kubitschek, onde se formou professora primária. Outra era a caminho do mar, revelando-se uma verdadeira adepta da frase do escritor Gilberto Amado — “Desconfio de quem podendo, não vai à praia”.
Na entrevista, Helô revisita a trajetória, recorda-se de passagens ao lado de Tom Jobim e Roberto Carlos, fala sobre o casamento de 57 anos com o engenheiro Fernando Mendes Pinheiro, sexo, etarismo e passagem do tempo. Também confessa ter ficado magoada ao ver a top Gisele Bündchen na passarela da abertura da Olimpíada do Rio (2016), no Maracanã, ao som de “Garota de Ipanema”: “Aquela passarela me doeu.”
Helô saía da rua onde morava, a então Montenegro, hoje Vinicius de Moraes, e seguia até a Visconde de Pirajá para buscar uma amiga. No percurso, era comum, ao passar na frente do Bar Veloso, ouvir assobios. “Falavam ‘Oh, bonitinha’, ‘Psiu, psiu’, brincavam. Não tinha noção de que, entre eles, estavam Vinicius de Moraes e Tom Jobim”, lembra. Foi graças a esse despretensioso itinerário que nasceu, em 1962, a lendária canção “Garota de Ipanema”, de Tom e Vinicius. Na última sexta-feira (7), a adolescente que inspirou a música mais gravada da História do Brasil completou 80 anos.
1) É verdade que o Tom Jobim te pediu em casamento no ano em que “Garota de Ipanema” foi composta?
Tom era meio brincalhão, tinha aquela coisa sensual do olhar. Um dia, ele me disse no banco da praia: “Fiz uma música para você”. Eu fazia ginástica artística na beira d’água e sempre tinha um homem sentado, de longe, me olhando. Depois, me dei conta de que era o Tom, fiquei sabendo que ele ia à praia para me ver. Até que num final da tarde, ele falou assim: “Você não quer se casar comigo?”. Eu, naquela época, já estava noiva. Ele, por sua vez, era casado (com Thereza Hermanny), mas estava triste. Aí, eu disparei: “Sou virgem”. O que tinha a ver uma coisa com a outra? Na minha cabeça, cheguei a pensar que ele queria só uma transa e precisei frisar que era uma “menina séria”, meu medo talvez tenha sido esse… Não rolou nada, nem beijo. Achava o Tom lindo, mas não tinha química.
2) O que mudou na sua vida quando, em 1965, Vinicius revelou à revista Manchete que você tinha inspirado a célebre música, recém-estourada na voz de Astrud Gilberto?
De primeira, não mudou muita coisa. Lembro-me de chegar em casa e aquele monte de fotógrafos me esperando, me pedindo para colocar um biquíni para ser fotografada na praia. Era superinibida, fiquei assustada. Porém, naquela época, nada era globalizado. Andar na passarela da rua provocou um boom, mas um boom meio fechado. Estou colhendo mais frutos nos dias de hoje.
3) Você se casou em 1966, com o Fernando, e segue junto dele até hoje, 57 anos depois. Ressente-se de não ter vivido outras experiências?
Acho que sim. Dei essa liberdade para as minhas filhas. É interessante ver se a tal química funciona. Por acaso, dei sorte. Como não tive outro (homem), também não sei se foi tão bom (risos). Sempre fomos monogâmicos, meu marido é muito católico, nosso casamento foi na Candelária, a igreja lotada. Depois, segui as transformações comportamentais que vieram apenas na moda, usava roupas de estilo hippie. Porém, já estava casada. Claro que, em alguns momentos, pensei em desbundar. Porém, fui obediente às regras, não transgredi. Gostaria de ter aproveitado mais a vida, ter experimentado outros homens antes de me casar, ter sido um pouco Leila Diniz.
4) Ouvi dizer que você ficou chateada com o desfile de Gisele Bündchen, na abertura da Olimpíada do Rio, no Maracanã, ao som de “Garota de Ipanema”.
Sim, fiquei sentida. O lugar não era dela. Aquela passarela me doeu. O que custava eu estar numa ponta e Gisele na outra? Será que o etarismo tomou conta da história?