Segunda-feira, 21 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 21 de abril de 2025
Desde a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, cada dia que passa a política brasileira ganha ares de um romance policial noir, no estilo da trilogia de Joy Ellroy sobre a trama conspiratória que resultou no assassinato do presidente John Kennedy, no dia 22 de novembro de 1963, e nos acontecimentos posteriores da política dos Estados Unidos, inclusive os golpes de estado que ocorreram no Brasil e outros países latino-americanos.
Por pouco, segundo investigações da Polícia Federal (PF), não se consumou o assassinato do ministro Alexandre Moraes, relator do inquérito que investiga o golpe, numa operação abortada de última hora, cujo plano previa também os assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin, para destituir um governo eleito pelo voto popular. É a impunidade dos responsáveis pelos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 que está em questão quando se discute uma anistia aos que participaram da tentativa de golpe.
As articulações para aprovação da anistia pelo Congresso utilizam os mesmos instrumentos da preparação do golpe, entre os quais a manipulação de informações nas redes sociais, com uso de algoritmos e inteligência artificial, para pressionar cada parlamentar isoladamente, a partir de sua base eleitoral. Existe um “estado maior” digital que conduz essa operação, nos moldes do “gabinete do ódio”.
Graças a força desses grupos de pressão, o líder do PL, Sóstenes Cavalcanti (RJ), emparedou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o obrigou a transferir sua prerrogativa de decidir a pauta da Câmara para o colégio de líderes.
Segundo o líder do PL, que apresentou o requerimento para acelerar o PL da Anistia, o presidente da Câmara tem muitas prerrogativas, mas as decisões “mais importantes” devem ser tomadas pelo colégio de líderes ou pela maioria dos parlamentares. Motta abdicou da decisão monocrática a que tem direito e anunciou que vai levar o pedido de urgência da anistia aos líderes para que decidam. Mais de mil pedidos de urgência estão na fila aguardando votação.
O paralelo com as relações golpistas e mafiosas da política americana da década de 60 pode ser traçado a partir do primeiro livro da trilogia de Ellroy, Tabloide Americano (Record), título inspirado nos jornais populares que serviram de abrigo para roteiristas expulsos de Hollywood pelo macarthismo. Os mais famosos foram Dalton Trumbo, Lester Cole e Dashiell Hammett.
Melhor romance dos EUA de 1996, Tabloide Americano descreve a trama golpista e mafiosa que culminou com o espantoso assassinato de Kennedy em Dallas, que antecedeu os assassinatos de Martim Luther King (4 de abril de 1968), o pastor negro que liderou a luta contra o racismo e pelos direitos civis, e de seu irmão Bobby Kennedy (6 de junho de 1968), que investigava a máfia.
Fora de controle
A Polícia Federal intimou o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa, a prestar depoimento no âmbito da investigação sobre o suposto esquema espionagem ilegal dentro do órgão – conhecido como “Abin paralela”. O depoimento aconteceu na semana passada.
Corrêa foi diretor-geral da PF durante o segundo governo de Lula. Andrei Rodrigues, atual chefe da corporação, que comandou a segurança do presidente durante a campanha de 2022, apura a eventual obstrução por parte da atual gestão à investigação do uso da Abin durante o governo Jair Bolsonaro (PL). No caso da chamada Abin Paralela, os principais implicados são o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro; e se Correia tinha conhecimento e autorizou a suposta espionagem de autoridades paraguaias por hackers da Abin.
É responsabilidade do Congresso fiscalizar as atividades de inteligência, contrainteligência e outras ações relacionadas, desenvolvidas no Brasil e no exterior, mas isso nunca ocorreu. São os órgãos de inteligência que controlam a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) por meio parlamentares amigos. A CCAI tem a prerrogativa de acesso a documentos, estruturas e operações dos órgãos de inteligência.
Criada em 2013, embora já estivesse prevista desde 1999, a comissão é composta por seis senadores e seis deputados, incluindo os presidentes das comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, além de líderes da maioria e minoria na Câmara e no Senado. O atual presidente da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência é o deputado Filipe Barros (PL-PR), presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, um bolsonarista raiz. (Análise de Luiz Carlos Azedo/Estado de Minas)