Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 1 de maio de 2018
Poucos o chamavam de Ricardo. Talvez porque gritava aos olhos de seus vizinhos e amigos as muitas tatuagens que fez pelo corpo. Dito e feito: Tatuagem passou a ser seu apelido na ocupação popular do prédio que um dia foi sede da Polícia Federal em São Paulo e, na madrugada deste 1º de Maio, acabou engolido pelo fogo ao tentar salvar outros moradores.
Tatuagem era gentil e aparentava ter 30 anos. A gentileza foi, segundo os sobreviventes, levada muito a sério em seus últimos momentos de vida. Assim que viu o pedaço de chão que dividia com outros centenas de sem-teto ser consumido pelo fogo, não teve dúvida: assumiu a posição de guardião. Orientou idosos a descer as escadas e subiu os andares que pode para salvar mais gente.
Jéssica Matos, de 20 anos, lembra que cruzou com ele na escada do segundo andar. “Já tinha dado a primeira explosão e ele gritava: vou subir para mandar o povo descer.” Wanderley Ribeiro Silva, 27, diz que Tatuagem batia nas portas, gritava entre os cômodos para saber se alguém precisava de ajuda. Chegou assim até o oitavo andar.
Lá, se viu encurralado pelo fogo e pela fumaça. Sem ter para onde ir, se guiou pelo celular. Usou a luz do aparelho para avisar os bombeiros, já pendurados no terraço do prédio ao lado, que corria perigo. O tenente do Corpo de Bombeiros, Guilherme Derrite, disse que seus colegas jogaram uma corda para Tatuagem. Era uma corda especial usada em rapel. “Ele deveria amarrá-la junto ao corpo e se jogar.”
Tatuagem até tentou, mas não conseguiu se aventurar para salvar a própria vida. Acabou engolido pela queda do prédio em chamas. Horas após o acidente, ainda era tratado pelo Corpo de Bombeiros como o único desaparecido da tragédia. “E você acredita que só ele se foi?”, diz Noemia, mãe de Jéssica que, orientada por Tatuagem a descer as escadas com mais velocidade, se salvou.
Segundo relato do sargento, o homem estava tranquilo, mas só conseguiu agarrar o cinto na terceira vez que este foi lançado. “Eu falava para ele confiar em mim que a gente tiraria ele de lá”, relembrou. “Eu só ouvia ele pedindo socorro e pedindo ‘me tira daqui por favor’. Eu tentei acalmá-lo, ele sentiu confiança e seguiu as instruções”.
O homem já terminava de se amarrar com o cinto e a equipe se preparava para retirá-lo quando o prédio colapsou, de acordo com Santos.
Bombeiros
O sargento do Corpo de Bombeiros Diego Pereira da Silva Santos, fazia o resgate de um homem no momento em que o prédio em chamas desabou nesta madrugada, no Centro de São Paulo. A equipe da qual Santos fazia parte trabalhava na retirada de pessoas do prédio vizinho quando chegou a informação de que o homem estava do lado de fora, na altura do 15º andar, preso no cabo de aço do para-raio do edifício. “Consegui falar com ele através de uma janela do 15º andar do edifício do lado. Pedi calma para ele não pular porque ele estava estabilizado”, disse Santos.
Para facilitar o acesso, foi aberto um buraco na parede do edifício vizinho, por onde a equipe dos bombeiros conseguiu passar o cinto alemão, que na prática serviria como uma cadeira para trazer o homem para baixo, preso por tórax e por pelo menos uma das pernas. “Ele era inteligente, aparentava ter cerca de 25 anos. A gente acreditava em todo o momento que conseguiríamos tirar ele de lá”, contou Santos.