Homens e brancos que concorrem a deputado concentram três de cada quatro números fáceis de memorizar, enquanto mulheres e negros estão subrepresentados, indicam dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relativos a São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Alvo de disputa entre concorrentes nas urnas, esse tipo de referência já provocou até brigas nesta campanha.
Maiores colégios eleitorais do País, os três Estados apresentam um quadro no qual negros representam 40% dos candidatos, mas somente 27% deles tem códigos fáceis de lembrar. Já as mulheres são 32% das candidaturas, no entanto apenas 23% dos números com tal característica.
A disputa por um desses números provocou uma crise entre os deputados federais Tiririca e Eduardo Bolsonaro, ambos do PL de São Paulo. O filho do presidente da República conseguiu o número que Tiririca havia disputado nas últimas duas eleições, motivo pelo qual o humorista ameaçou não concorrer neste ano — aviso que não chegou a cumprir.
Há um consenso de que um código fácil apresenta características como número do partido repetido duas vezes. Exemplos: 9090 ou 9999. Ou que repetem o segundo número três vezes (8999, por exemplo), bem como aqueles com sequência lógica e simples (1234) e os que terminam com duas vezes o zero (9900).
Conforme a presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel) e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Helcimara Telles, há grande disputa dentro dos partidos pelos números de urna. Ela explica que um bom código indica “prestígio” dentro das legendas – em geral, comandadas por homens brancos.
“Um número [de urna] diz muito mais do que sobre apenas uma eleição, ele diz sobre a disputa de poder interno dentro dos partidos, e dentro desse poder é usual que esses dirigentes sejam homens e brancos”, ressalta.
A presidente da Abrapel diz que um bom número de urna é um marcador de quem tem poder dentro do partido. Na maioria dos casos, segundo ela, esse número vem acompanhado de maior tempo de TV e de verba partidária. Trata-se da chamada “lista fechada dentro dos partidos”.
A eleição para deputado no Brasil tem um sistema de lista aberta, em que as vagas conquistadas pelo partido são ocupadas por seus candidatos mais votado. No sistema de lista fechada, por sua vez, o eleitor vota no partido, que define previamente a ordem dos candidatos que serão eleitos.
“O partido define quem deseja eleger efetivamente e dá a esse candidato melhores números, recursos, coordenação da campanha e ativistas”, explica.
“Dobradinhas”
Helcimara explica, ainda, que os códigos muitas vezes são passados de candidato para candidato, facilitando a “dobradinha”, situação em que um candidato a deputado federal faz campanha para um deputado estadual com código muito parecido, ou vice-versa.
“Os números têm donos, e quando você passa para um cargo você oferece aquele número para alguém como seu sucessor, porque vocês vão fazer um bate-bola entre deputado estadual e federal”, afirma.
Como exemplo da importância desses números, Telles cita o fato de o 1313, do PT, em São Paulo, estar com o deputado Rui Falcão, ex-presidente da sigla.
Outros partidos têm o atual presidente da sigla com número fácil em São Paulo: o 1919, do Podemos, está com a deputada Renata Abreu; o 1010, do Republicanos, está com o deputado Marcos Pereira; o 1515, do MDB, ficou com o deputado Baleia Rossi.
Dentre os partidos que lançaram candidaturas com número de urna duplicado, nenhum tem mulheres com três candidaturas usando o código. Em cinco (PDT, Rede, Podemos, Novo e PCdoB) há duas mulheres e um homem. Em sete há uma mulher e dois homens. Em 15, incluindo PT, Republicanos, PCO e União Brasil, nenhuma das três candidaturas é de uma mulher.