Pesquisadores do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) identificaram uma variante do HPV-18 (papilomavírus humano tipo 18) com maior potencial para favorecer o desenvolvimento de câncer. Liderado pela bioquímica Laura Sichero, o trabalho foi vencedor da 13ª edição do Prêmio Octavio Frias de Oliveira na categoria “Pesquisa em Oncologia”.
Patrocinada pelo Icesp e pelo jornal Folha de S.Paulo, a premiação busca reconhecer e estimular a produção científica em oncologia no país.
“Analisamos as características das células com infecções persistentes pelas variantes A1 e B1 do HPV-18. Com isso, foi possível detectar o potencial de evolução de câncer em cada uma delas. Já havíamos demonstrado, em estudos anteriores, a existência de variantes mais associadas ao desenvolvimento de câncer. Apesar de todas serem amostras de HPV-18 – tipo que tem um alto risco de causar câncer –, verificamos que epidemiologicamente a variante A1 conferia mais risco que a B1”, explica Sichero, que coordena o Laboratório de Biologia Molecular do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Icesp.
A pesquisa teve apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) por meio de um projeto coordenado por Sichero e de uma bolsa de doutorado concedida a Emily Montosa Nunes. O grupo fez uma avaliação funcional de células infectadas por diferentes variantes de HPV-18 (o segundo tipo de HPV mais comum em câncer de colo de útero) identificando quais linhagens eram mais oncogênicas.
Segundo Sichero, estima-se que 15% de todos os tumores no mundo estejam relacionados a agentes infecciosos. Desses patógenos, os mais prevalentes são o vírus da hepatite B, associado ao desenvolvimento de câncer no fígado, e o HPV, relacionado com uma série de tumores, entre eles de colo de útero, vulva, vagina, pênis, canal anal e orofaringe.
“No caso dos tumores de colo de útero, 100% estão associados a infecções por HPV. Com isso, sabe-se que no mundo 5% dos tumores que acometem humanos são causados por HPV. É um número alto, por isso a importância de estudar mais esse vírus e suas variantes, bem como de incentivar a vacinação. Temos disponível uma vacina profilática que impede a infecção e, consequentemente, previne os tumores associados”, diz Sichero.
Vale destacar que existem mais de 200 tipos de HPV já descritos. E cada grupo contém diferentes variantes, que sofreram pequenas mutações genéticas ao longo do tempo.
Sichero explica que as infecções por HPV-16 e HPV-18 são as mais correlacionadas ao risco de câncer de colo do útero. “Em todo o mundo, o HPV-16 é o tipo mais prevalente em carcinomas escamosos invasivos [tumor maligno originário de células epiteliais] do colo do útero, seguido de HPV-18. Já para adenocarcinoma [tumor maligno que surge de glândulas] o HPV-18 e o HPV-16 são igualmente detectados. Por isso, decidimos estudar a evolução das características das células com infecções persistentes pelas variantes A1 e B1 do HPV-18 e verificar o potencial de evolução de cânceres a partir delas”, conta.
A pesquisadora ressalta ainda o interesse epidemiológico de estudar essas variantes na população brasileira. “Esses estudos de variabilidade são interessantes principalmente em populações com origem multiétnica [como a brasileira]. Isso porque existe uma heterogeneidade maior de variantes no Brasil. Apesar de estarem distribuídas de forma diferente na população mundial, algumas variantes estão mais relacionadas com o risco de doença”, explica.
No estudo, os pesquisadores utilizaram um modelo celular que simula a infecção persistente por HPV. “Para que ocorra o desenvolvimento de um tumor é necessária uma infecção persistente por HPV. Portanto, infectamos queratinócitos primários de prepúcio, que são células hospedeiras do HPV no corpo humano, de uma maneira que elas estivessem sempre com esse vírus”, relata.
Após a infecção, os pesquisadores avaliaram algumas propriedades (hallmarks) que diferenciam as células tumorais e as normais, como a capacidade de migração (importante para o estabelecimento da metástase), de replicação constante e de invasão a outros tecidos.
“Como se vê, são todas capacidades importantes para o desenvolvimento do câncer. A partir dessas análises, constatamos que a variante A1 tem maior potencial oncogênico que a B1”, pontua.
O achado pode impulsionar a busca de novas drogas para o tratamento do câncer de colo de útero. “São estudos preliminares. Fizemos ciência básica. Nosso próximo passo é verificar quais são as vias de sinalização que estão associadas com essas diferentes variantes e os hallmarks analisados. Com isso, talvez seja possível identificar, dentre essas vias de sinalização, uma molécula responsável por essas diferenças entre as variantes, que pode vir a ser explorada como um alvo terapêutico”, explica.