Sábado, 23 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 17 de novembro de 2019
Vozes que imitam falas do comunicador Silvio Santos e do personagem Bob Esponja, dentre outros personagens famosos (reais ou fictícios), têm feito sucesso com áudios diários compartilhados em grupos de WhatsApp. Essa parece ser uma das febres atuais no aplicativo.
Há quem não aguente mais entrar em novos grupos no WhatsApp – entre a família, os amigos e os colegas do trabalho, o fluxo incessante de mensagens parece atordoar muita gente. Mas para toda regra há uma exceção – e com o “zap” não é diferente. Nas últimas semanas, começou a pipocar no aplicativo uma nova onda, digna da criatividade brasileira: os grupos de imitações.
Em vez de discussões políticas ou mensagens de bom dia, esses espaços reúnem pessoas desconhecidas mandando áudios com as mais variadas personificações: barulho de moto, piloto de avião, feirante ou vozes de celebridades. Em alguns casos, a diversão vira um “Show de Calouros” que inclui até mesmo emulações idênticas à assistente de voz do Google. E não raro, o que começa apenas como uma brincadeira entre amigos acaba atingindo uma audiência muito mais ampla.
Um usuário do aplicativo em São Luís (MA), por exemplo, imita vozes de comandantes de aeronaves, além dos já mencionados Silvio Santos e Bob Esponja. Resultado: publicado na rede social Twitter, um desses áudios teve mais de 45 mil curtidas e 10 mil compartilhamentos, em poucos dias.
“É o maior barato: mando algum áudio para divertir a galera antes de ir para o serviço e outro à noite”, afirma o fanfarrão, admitindo que chegou a ficar rouco ou mesmo afônico, recentemente, de tanto usar a voz. E até agora ele não sabe dizer se o sucesso se dá mais por conta da forma ou do conteúdo que grava.
Comunidades lotadas
Ao contrário de outros fenômenos das redes, os grupos de imitação têm uma dinâmica complexa. Por um lado, seu conteúdo pode viralizar por conta de encaminhamentos de mensagens. Entrar nessas comunidades já é mais complicado: como o WhatsApp limita cada grupo a 256 usuários, a maioria deles está lotada.
Não é a primeira “febre” com essa característica: em 2018, viraram moda no app os grupos de compartilhamento de stickers, com usuários trocando figurinhas engraçadas para seus acervos. Para especialistas, as duas ondas são parte de uma tendência só.
“Há uma mudança de conversas públicas para ambientes privados. As pessoas se sentem mais à vontade assim”, avalia Edney Souza, diretor acadêmico da agência Digital House Brasil. “Com a imitação, há um agravante: fazê-las publicamente pode levar à ridicularização. Os grupos são o maior barato: sempre mando algum áudio para divertir a galera antes de ir para o serviço e outro à noite.”
Para o professor Fábio Malini, da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), os grupos de imitação são uma espécie de resistência. “Hoje, as plataformas digitais estão contaminadas de forma tóxica. Os grupos são um espaço onde as pessoas deixam a realidade mais bruta e entram num universo de sonho”, diz.
É algo que Mayra Nascimento, de 21 anos, entende bem: diagnosticada com depressão, ela tem achado conforto no WhatsApp. “No começo, entrei nos grupos por falta do que fazer”, brinca a estudante de Ciências Biológicas. “Mas percebi que escutar as imitações faz bem para mim quando estou triste. Só não levo jeito para imitar.”
Conforme os próprios responsáveis pelo aplicativo WhatsApp, os grupos de imitações são bem-vindos, desde que não infrinjam os termos de uso. Como o aplicativo utiliza criptografia de ponta a ponta, que protege o conteúdo das mensagens, é difícil para a empresa saber quando se comete uma infração. Para isso, é necessário que denúncias partam dos usuários. Mas vale esclarecer: segundo a lei brasileira, fazer paródias não infringe regras de propriedade intelectual – algo que violaria o contrato do app.
É preciso, porém, que os usuários tenham consciência dos riscos dos grupos – como o de expor nome e número de telefone para desconhecidos. “São dados que podem ser usados para criar uma base para disparos de anúncios”, diz Francisco Brito Cruz, diretor do centro de pesquisa InternetLab. “É algo que pode ter consequências, mas não pode ser incentivo para as pessoas não se divertirem.”