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Implantes hormonais são proibidos no Brasil: a polêmica do chip da beleza

O uso abusivo dos implantes hormonais, popularmente chamados de chips, é hoje um fato inquestionável no Brasil. (Foto: Reprodução)

O uso abusivo dos implantes hormonais, popularmente chamados de chips, é hoje um fato inquestionável no Brasil. Nos últimos anos, houve uma proliferação desenfreada de farmácias magistrais produzindo implantes sem nenhuma regulação e com alto viés comercial. A preocupação das sociedades médicas com o crescente número de complicações relacionadas à prescrição desenfreada de hormônios é totalmente legítima. Entretanto, a pressão sobre a Anvisa para suspender a produção e comercialização dos implantes hormonais manipulados é uma tentativa radical de resolver um problema complexo e que causará inúmeros outros efeitos colaterais à sociedade.

O tema é historicamente polêmico. Os implantes hormonais começaram a ser utilizados no Brasil na década de 80 pelo prof. Elsimar Coutinho, cientista prestigiado e reconhecido em todo o mundo, e que durante décadas tratou milhares de mulheres com muito sucesso. Porém, infelizmente acabou abandonando o ambiente acadêmico e suas pesquisas, hora pioneiras, ficaram estacionadas no século passado.

Depois de muitos anos fechado em seu próprio grupo, a empresa criada por ele (Elmeco) começou a dar treinamentos para outros médicos também utilizarem o seu método. Apesar da enorme popularidade, a falta de pesquisas mais atuais e o viés comercial da prescrição de implantes sempre foram alvo de críticas, de fato pertinentes, pelas sociedades médicas.

Tais implantes hormonais historicamente são chamados de implantes “não aprovados pela Anvisa”. Mas como se pôde utilizar por tantas décadas algo que a Anvisa não aprova? O detalhe é que os implantes sempre tiveram a aprovação da Anvisa para medicamentos magistrais (hoje regulada pela RDC n. 67/2007), e não a mesma aprovação da Anvisa para indústria farmacêutica tradicional – mas as sociedades médicas simplesmente ignoram a existência das farmácias magistrais. E mais um fato curioso: a sociedade paulista (Sogesp) e a federação brasileira de ginecologia e obstetrícia (Febrasgo) sempre mencionaram em suas diretrizes que não recomendam o uso desses implantes “não aprovados pela Anvisa”.

Mas durante muitos anos, em seus congressos oficiais sempre estava presente um estande da Elmeco, empresa do prof. Elsimar Coutinho. Ora, se não recomendam, por que permitem a venda de treinamentos nos seus maiores congressos? Ninguém nunca soube responder.

Mas o que levou mesmo ao boom dos implantes no Brasil foi a chegada com força de uma marca americana produtora de implantes hormonais absorvíveis, de inserção muito mais simples e sem necessidade de serem retirados, como eram os desenvolvidos pelo prof. Elsimar. Com um mercado já enorme e crescente nos EUA e em processo de expansão mundial, em meados de 2018 a Sottopelle se uniu a uma prestigiada farmácia magistral brasileira. A notícia rapidamente se espalhou por aqui e centenas de novos médicos foram habilitados para a prescrição de implantes hormonais.

Até então, os implantes produzidos eram somente dos hormônios tradicionais e já utilizados em muitos países: estradiol e testosterona (para menopausa e deficiência androgênica masculina) e a gestrinona, hormônio também historicamente polêmico pela escassez de estudos, mas utilizado com muito sucesso há décadas para algumas mulheres com problemas menstruais ou uterinos que não se adaptaram aos métodos convencionais.

Como tudo que é novo e tem rápida expansão, a novidade dos implantes hormonais também trouxe problemas. Se por um lado se mostrou um excelente método de tratamento para algumas condições (afinal se não fosse, não teria tamanha repercussão), por outro, o uso excessivo apareceu. Farmácias de manipulação começaram a produzir todo tipo de medicamento na forma de implantes, sem qualquer tipo de embasamento científico (diferentemente dos implantes tradicionais citados acima). E o principal agravante, por ser um procedimento potencialmente lucrativo, muitos profissionais de fato se tornaram implantadores de hormônios sem qualquer ética ou pudor.

Um outro agravante é o fato de que a maior parte dos médicos à frente das tais sociedades, do alto do seu olimpo acadêmico-puritano, vive numa bolha que se distancia enormemente do dia a dia de um consultório privado. A maioria tem uma atuação predominante em hospitais-escola e nunca atenderam o perfil de paciente que busca por implantes hormonais ou mesmo por algo um pouco diferente das escassas opções de tratamento convencionais ou disponíveis no SUS. Portanto nem tomam conhecimento dos milhares de casos de uso ético e adequado de outras terapias; ao contrário, só recebem os relatos dos problemas. Por isso é compreensível a preocupação e intenção de “acabar com tudo”.

Até assuntos mais básicos como a prescrição de testosterona para mulheres (em gel mesmo, pela pele) ainda é tratada como enorme tabu – apesar de há muitos anos ser mundialmente aprovada para mulheres na menopausa com falta de desejo sexual, uma queixa da maioria absoluta das mulheres nessa fase. No último congresso da Sociedade Brasileira de Climatério e Menopausa (SOBRAC), praticamente não se falou sobre o tema. E sobre os implantes hormonais, sendo que o congresso ocorreu poucos meses depois da primeira investida das sociedades médicas sobre a Anvisa para a proibição dos implantes? Zero. Absolutamente nenhuma aula ou discussão, foi como se o tema não existisse, para espanto de todos os congressistas.

Já a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), que lidera essa nova inquisição e arrasta todas as outras, insiste em não se abrir para a discussão e perpetua o discurso agressivo e que marginaliza o assunto. Se um médico prescreve implantes hormonais, não importa de que forma, já é imediatamente tachado de “picareta” – termo expressamente utilizado pelas lideranças, nos bastidores. Nos eventos da sociedade, o tema é sempre tratado de forma agressiva e acusatória. Uma aula do congresso brasileiro de 2022, que novamente só condenava os implantes sem qualquer consideração sobre o outro lado da moeda, finalizava com um slide em letras garrafais: “Implante hormonal manipulado é a forma atual, dissimulada e equivocada de usar anabolizantes indiscriminadamente”.

De fato, o número de problemas relacionados à má prática com os implantes hormonais aumentou muito (proporcional ao aumento do uso em geral). Mas o discurso das sociedades médicas em suas investidas sobre a Anvisa ignora os incontáveis casos de pacientes devidamente prescritos e acompanhados, esclarecidos e cientes de todos os lados da questão, para os quais os implantes foram uma decisão compartilhada com o médico e formalizada em um termo de consentimento – exatamente como a boa prática médica prevê. Sem sombra de dúvida, para cada complicação apontada como uma “gravíssima ameaça à saúde pública”, existem centenas ou milhares de tratamentos de sucesso que simplesmente não estão sendo vistos.

Também não dá para desconsiderar o fato de que todas as lideranças das sociedades médicas são diretamente vinculadas e patrocinadas pela grande indústria farmacêutica convencional. Será que a “big pharma” está incomodada com a fatia gigante de mercado que perde para as farmácias magistrais? Sem querer criar teorias conspiracionistas, mas é uma hipótese bem plausível. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de novos produtos nessa área é bem limitado, uma vez que os principais hormônios utilizados, isomoleculares (popularmente chamados de “bioidênticos”), não são passíveis de serem patenteados e, portanto, não interessam à grande indústria.

A proposta de proibição geral dos implantes hormonais fere em primeiro lugar a autonomia dos milhares de pacientes em tratamento adequado, que muitas vezes não encontraram uma alternativa nas opções convencionais ou simplesmente escolhem essa via de tratamento, além de cercear a autonomia profissional do médico. Um tema complexo e que deveria ser debatido em um âmbito muito maior, envolvendo o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a sociedade em geral. Mas as sociedades médicas (sempre lideradas pela de endocrinologia) seguem querendo se comportar como força policial, pressionando a Anvisa para uma medida drástica e que provavelmente geraria muito mais danos à sociedade do que benefícios. Outras medidas de conscientização já lançadas, como o programa “Bomba Tô Fora” e criação de um canal de denúncias para uso abusivo de hormônios são positivas e mais razoáveis para combater o problema. Mas infelizmente esse assunto se tornou extremamente polarizado numa guerra não declarada entre quem defende e que condena o uso dos implantes.

Por fim, todos os médicos sabem que o uso “offlabel” é uma grande realidade em todas as áreas da medicina. Um levantamento extenso de 2022 da biblioteca Cochrane revelou que menos de 9% das condutas em saúde são baseadas em evidências de alta qualidade. Em um parecer de 2013 do CFM, a assessoria jurídica do conselho se posicionou sobre a matéria da seguinte forma: “O uso offlabel de um medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico, mas em grande parte das vezes trata-se de uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado”. No parecer CFM n. 2/16, complementa: “No caso, o médico responde por eventuais insucessos, e, nessa circunstância, o sistema CRM/CFM será chamado a julgar, fazendo-o à luz de cada caso”. E conclui: “Ao CRM/CFM compete julgar os insucessos sob a ótica do risco a que o médico submeteu seu paciente”. (Pelo ginecologista Igor Padovesi, especialista em menopausa, membro da International Menopause Society (IMS) e membro sênior da European Society of Aesthetic Gynecology)

 

 

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